O que a seduz primeiro no acolhimento de um projeto artístico?
Que contribua para uma reflexão sobre o espaço e o tempo presentes. Que desafie o pensamento contemporâneo através da sua estética e ética.
Do artista emergente ao trabalho consistente é apenas uma questão de empenho?
Vivemos numa era direcionada para o entretenimento e espetacularização da arte. Esta circunstância alimenta um circuito que nem sempre premeia o mérito, mas os interesses do sistema.
Quase duas décadas vividas, podemos concluir que este século não é para Picassos?
Picasso dizia que “a pintura não é feita para decorar os apartamentos. É um instrumento de guerra.” Se a Arte é uma arma para mudar mentalidades e se o presente somos nós, é tempo de inaugurar novos momentos históricos, em que Poesia e Picassos são eternos.
O que a fez ficar em Lisboa e não em Paris (ou Luanda)?
O Tempo e o Modo somos nós, mas há circunstâncias que envolvem uma moldura mais ampla do que o nosso livre-arbítrio. A guerra civil em Luanda trouxe-me a Lisboa e, mais tarde, a Paris, onde concluí o mestrado em Direitos Humanos, tendo como meta o mundo, ligada a projetos da ONU e Tribunais Penais Internacionais.
De que forma nunca perdeu África na sua matriz?
Angola deu-me o nome, uma lenda do Huambo, que se revelou um legado. Uma história de amor improvável entre uma princesa guerreira e um cágado — Namalimba e Kembeu.
Os artistas africanos conseguem, cada vez mais, furar em Portugal. Foi preciso destruir primeiro o preconceito?
Essa questão só existe numa perspetiva eurocêntrica e etnocêntrica do mundo. O preconceito cai quando se entenderem estes artistas como globais, independentemente da sua origem.
O medo da diferença está na origem de todos os preconceitos e consequentes guerras ou às vezes é só o desejo de poder?
Celebrar a diferença revela-se uma arma contra o medo e o poder, não fosse ela a origem da atitude humana inovadora.
O fascínio pelo outro nunca faz perigar um trabalho de curadoria?
Na era do ego, não sei o que é mais perigoso: se o fascínio pelo outro, que nos remete para a parcialidade; se o culto cego por si mesmo, que domina a forma individualista e autocentrada de estar em sociedade.
De quem vamos ouvir falar muito?
De heróis desconhecidos e silenciosos e dos albinos de Angola — é urgente que se dê voz às suas causas. De Fernão Cruz, Horácio Frutuoso, Tiago Alexandre, Henrique Pavão e Francisco Vidal, nas artes visuais. Mynda Guevara, guerreira do rap crioulo.
Que pintura quis que os seus filhos vissem?
Obras que, através da sua essência, os levem a questionar e desconstruir a forma, o objeto, o sujeito, o espaço, o ato artístico, o mundo e o tempo em que vivemos.