Talvez porque tenha chegado recentemente aos 50 anos, e perceba hoje um pouco melhor algumas das dores e angústias de tantas pessoas que, chegadas a esta idade, enfrentam muitos desafios – desde a rápida evolução da tecnologia, e dos modelos de negócios em geral, com tudo o que isso implica em termos de necessidades de atualização e upgrade de competências, ao assustador que pode parecer olhar para o mercado de trabalho e suas transformações, sobretudo com a revolução digital e o teletrabalho e suas consequências nas futuras novas profissões e nova forma de trabalhar, até ao rápido crescimento da Inteligência Artificial e suas “ameaças” -, queria deixar aqui alguns dados e apontamentos de esperança, para tantos adultos que estão prestes a entrar numa fase diferente da sua vida profissional e de vida.
Este é um problema muito relevante, e que surge muitas vezes apontado como um dos principais desafios que se nos apresentará nos próximos anos, em termos de sustentabilidade. Neste caso, relacionado com o "S" dos "ESG", e que se pode formular deste modo - numa sociedade envelhecida como a portuguesa (embora este fenómeno também se verifique no resto da Europa, que regista esta mesma tendência, embora num horizonte temporal mais alargado), como podemos criar modelos eficazes de integração da população ativa chamada sénior (com mais de 50/55 anos), nos mercados de trabalho, que criem alternativas viáveis para a sua sustentabilidade, e para a preparação da sua reforma e velhice?
Portugal é um país no qual o empreendedorismo, entendido como a capacidade de risco e de iniciativa para o desenvolvimento de projetos empresariais que acrescentem valor à sociedade e, em simultâneo, constituam uma fonte de independência financeira e de estabilidade familiar, domina o setor empresarial. Segundo dados da PORDATA de 2023, 99,9% das empresas em Portugal são Pequenas e Médias Empresas (PME’s). Sendo que, dentro deste Universo, 99,4% são Micro e Pequenas empresas, com uma enorme maioria de empresários em nome individual e profissionais liberais. No total, empregam cerca de três milhões e meio de pessoas.
Ora, as pessoas que criaram estes pequenos e médios negócios, são, todas elas empreendedoras, neste sentido. Ou seja, existe uma forte predominância, no tecido económico, português de iniciativas empreendedoras. E é bom realçar que, quando se fala em empreendedorismo, como bem refere o Global Entrepreneurship Monitor (o maior estudo sobre empreendedorismo do mundo), inclui-se muito mais do que empresas de raiz tecnológica, e com elevado potencial de crescimento. E é também importante afirmar o contributo do empreendedorismo para a Economia, que é reconhecido pelas máximas instâncias políticas e governativas, razão pela qual a educação para o empreendedorismo é uma prioridade máxima, quer na Europa, quer nos EUA.
Para além disso, temos assistido em Portugal, a vários níveis, à implementação de um conjunto de regras, iniciativas e infraestruturas económicas que não apenas facilitam, como promovem decisivamente o desenvolvimento de ecossistemas empreendedores - seja empreendedorismo tecnológico ou não -, bem como ao desenvolvimento dos mecanismos que o potenciam, nomeadamente alternativas de financiamento, quer a nível nacional, quer a nível internacional. Tudo isto constitui um incentivo grande à criação de novos projetos empreendedores. Prova disso é a existência de mais de 120 incubadoras, aceleradoras, fablabs e coworks em Portugal, segundo a Rede Nacional de Incubadoras, sendo que 6 dessas incubadoras estão entre as 125 mais inovadoras da Europa, segundo o ranking Europe’s Leading Start-up Hubs, do Financial Times. Incluindo uma incubadora de Inovação Social - a Casa do Impacto - no 75º lugar do ranking.
Feita a demonstração de que o empreendedorismo tem nota de dominância no contexto português, e de que existem hoje mais condições do que nunca para se lançar a sua própria iniciativa, resta lançar uma pergunta - estarão estes ecossistemas, e as oportunidades que representam, mais vocacionados para o chamado empreendedorismo jovem? Existe alguma relevância para o mercado, das iniciativas empreendedoras encetadas por pessoas de maior idade? Existe algum obstáculo à entrada de pessoas mais velhas no mundo do empreendedorismo?
Existe um mito, segundo o qual os empreendedores com mais, sucesso são normalmente mais jovens - como foram os casos de Bill Gates ou de Mark Zuckerberg, que tinham 20 anos quando lançaram as suas iniciativas. Mas, para além da observação empírica nos dizer que, por exemplo, quer Bill Gates, quer outro grande empreendedor, fundador da Amazon em 1994 - Jeff Bezos -, tiveram muito mais sucesso aos 50, do que aos 20 anos, também os estudos científicos nos revelam outra verdade. Num estudo realizado por Madeline Garfinkle, publicado na Harvard Business Review em 2023, a média de idades dos fundadores, quando criaram as suas empresas, é de 42 anos. E segundo outro estudo, mais antigo (2018), realizado por uma equipa da MIT Sloan, liderada pelo Professor Pierre Azoulay, os fundadores de novos negócios com o crescimento mais alto, tinham uma média de idades de 45 anos. Este último estudo analisou o impressionante número de 2,7 milhões de pessoas que fundaram negócios, entre 2007 e 2014, e que contrataram pelo menos um colaborador.
Ou seja, e em resumo - não só a média de idades dos empreendedores é superior a 40 anos, como os casos de maior sucesso são os de empreendedores que, em média, têm 45 anos, no contexto geográfico onde o número de iniciativas de empreendedorismo é o maior do mundo - os EUA. O que quer dizer que, para atingirmos esta média, têm de existir muitos empreendedores com 50 anos e mais.
Em Portugal, a situação existente revela, em simultâneo, uma má notícia, e uma boa notícia. A má notícia é que, segundo o relatório da SPI – Sociedade Portuguesa de Inovação, que coordenou, em parceria com a PACT – Parque do Alentejo da Ciência e Tecnologia, da Universidade de Évora, a parte nacional do GEM 2019/2020, último estudo em que Portugal participou, a TEA - Taxa de Atividade Empreendedora Early Stage Total -, que mede a proporção de indivíduos que, em cada faixa etária, estão envolvidos na criação e gestão de negócios que geraram remuneração por um período até 42 meses, revela que, neste período, a faixa entre os 55 e os 64 anos foi a que menores valores teve - 6,8%, que comparam com os 18,7% da TEA da faixa etária entre os 25 e os 34 anos.
A boa notícia é que ainda existe muito espaço para evolução, no que toca às iniciativas empreendedoras destas faixas etárias mais altas. E eu diria que, apesar de existirem algumas limitações que advêm, efetivamente da idade - como por exemplo, o estigma relativamente ao facto de pessoas de certas idades "não se devem" envolver em certos tipos de atividade económica, ou o desenho dos sistemas de apoio e incentivo ao empreendedorismo limitarem, muitas vezes, o apoio ao empreendedorismo a certos limites de idade), a verdade é que existem algumas vantagens que são também evidentes e que advêm de uma idade maior:
Desde logo a experiência, nomeadamente nos erros que se podem facilmente evitar, em iniciativas que, por definição, são iterativas, e que voltam diversas vezes ao teste do mercado para validação.
Mas também, muitas vezes, a capacidade de investimento inicial, com capitais próprios ou com outros tipos de recursos de financiamento, como por exemplo redes de contactos bem trabalhadas ao longo de muitos anos e acesso direto a pessoas com poder e capacidade de decisão
Finalmente, o amadurecimento do conhecimento que, por virtude do tempo, foi sendo feito sobre certos projetos, ideias ou setores, pode diminuir consideravelmente o risco de falhanço, tal como o maior conhecimento que se tem sobre os ciclos de evolução de determinados mercados, pela vivência que se teve de situações que não vêm nos livros, pode ajudar a fazer planeamentos e previsões de negócios com mais acuidade.
Por tudo isto, e para finalizar, eu diria que a melhor via para o crescimento das iniciativas de empreendedorismo sénior, de pessoas com 50 anos ou mais, e que pode constituir uma excelente oportunidade, e alternativa, para uma saudável continuação da integração destes segmentos na vida profissional ativa, continuando a contribuir para a riqueza e crescimento do país, seria a do chamado empreendedorismo intergeracional.
Uma abordagem que procure conciliar as complementaridades existentes entre mais jovens e mais velhos, promovendo a transferência de conhecimentos e capacidades entre ambos, aumentando, desta forma, o potencial de sucesso das iniciativas, e a realização pessoal e profissional dos empreendedores.
Esta devia ser uma área de prioridade estratégica para governos, municípios, empresas (incluindo este fomento do intra-empreendedorismo, que agrega diferentes faixas etárias, na sua cultura organizacional), bem como para indivíduos e entidades que são responsáveis por financiar, capacitar e desenvolver os ecossistemas de empreendedorismo e inovação social.
É caso para dizer, como Balzac: O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiamo. Ora compete-nos, enquanto sociedade, não permitir que esse entusiasmo esmoreça. Todos beneficiaremos com isso.