E, tal como uma boa ideia, um bom modelo, apenas se transforma em inovação, quando se torna efetiva, é adotada, e apresenta soluções que são capazes de resolver problemas e suprir necessidades, também a Democracia, enquanto ideal e modelo coletivo, apenas se concretiza em todo o seu potencial, quando é realmente validada e adotada pela população. Quando esta mesma população a defende como algo valioso, com um sentido de pertença de quem defende algo que é verdadeiramente seu.
Nesse sentido, será que realmente vivemos todo o potencial da democracia, ou apenas uma versão menor da mesma, na qual apenas alguns de nós são ativos na decisão democrática, e todos os outros se conformam com a inevitabilidade de um sistema sobre o qual todos se questionam, mas no qual nada de realmente diferente parece acontecer, ano após ano, e “vão à sua vidinha”?
Se olharmos para as taxas de abstenção nas eleições - o indicador, por excelência, da vitalidade da participação democrática - constatamos que a abstenção continua a ser, consecutivamente, o “partido” mais votado. Basta recuar um pouco ao ano de 2021 e relembrar a histórica abstenção de 60% nas eleições presidenciais.
Mas o mais preocupante nem é isto. É que a faixa etária onde a abstenção mais se fez notar, foi a faixa dos 18 aos 24 anos. Exatamente a geração responsável pela gestão dos destinos da Nação, num futuro próximo. E basta olharmos para os números da emigração, para percebermos que esta tendência de “fuga“ nesta geração, se está rapidamente a tornar a regra. Quem é professor certamente já se terá confrontado muitas vezes com este frustrante fenómeno de reconhecermos o potencial desta geração, e de ouvirmos, em simultâneo a sua forte convicção de que Portugal é um ”caso perdido“. Isto não preocupa os nossos responsáveis políticos? e se preocupa, onde está a ação?
Mas o alheamento do sistema político atual não é um exclusivo desta geração. Segundo dados da Pordata, um comparativo entre as taxas de abstenção desde 1975 até 2022, demonstra as seguintes evoluções:
- No Continente - de 8,2% para 48,6%
- Nos Açores - de 9,7% para 63,3%
- Na Madeira - de 10,9% para 50,4%
Ora, quando metade do País pura e simplesmente opta por não votar, há necessariamente que retirar conclusões disto. Mas não é, como ouvimos muitos políticos afirmar no fim do período eleitoral, para se ir para os gabinetes refletir sobre a questão para, depois, nada acontecer. Há que agir sobre esta matéria. Convocar os cidadãos para os ouvir. Chamá-los proactivamente a participarem. Alterar as partes do sistema político que são ineficientes, ou que não respondem às necessidades e expectativas dos cidadãos. Nunca nos podendo esquecer, que a Democracia deve servir os interesses desses cidadãos, e não os interesses instalados. Que lhes deve ser dada a possibilidade de construírem a sua própria versão 2.0 ou 3.0 da Democracia, que inclua inovações sociais que respondam melhor às necessidades do mundo em que hoje vivemos. Só assim a sentirão como algo que é verdadeiramente seu.
E aliás, é isso que os jovens têm procurado fazer. Desengane-se quem pensa que esta nova geração se desinteressa da política, entendida no seu sentido original de gestão da Polis. De gestão dos destinos do País. Apenas não se identificam com este modelo, comprovadamente ineficiente e autofágico.
Segundo vários estudos, os jovens têm procurado formas distintas e alternativas de participação política, muito mais orientada para iniciativas relacionadas com causas sociais ou ambientais e
com o desenvolvimento comunitário e regional. Nomeadamente neste último caso, são variadíssimos os exemplos que conheço - em Portugal e fora de Portugal - de iniciativas que têm procurado focar a sua atividade, a este nível, em contextos locais, de maior proximidade, onde a sua influência pode ser maior, e os efeitos são mais evidentes, porque ficam mais à vista. E fazem-no com uma enorme paixão, defendendo-os como coisa própria.
Agora imaginem o potencial que esta criatividade e capacidade de inovação poderia ter, se fosse realmente incentivada, abraçada e disseminada na corrente sanguínea do atual sistema político.
Devíamos estar muito mais preocupados em analisar e discutir o estado de arte da Democracia em Portugal, enquanto sistema, e independentemente de ideologias ou de orientações partidárias. Um debate sério, inclusivo, que convoque as forças vivas da sociedade a uma reflexão sobre formas de tornar o nosso modelo de vida coletivo, num modelo que seja realmente percebido e participado.
É muito poucochinho contentarmo-nos com um meio País, ou menos, que vota. É muito pouco ambicioso achar que isso é uma inevitabilidade. É de ética questionável, ter um sistema que não se põe em causa perante tanta evidência. E é uma enorme irresponsabilidade, nada fazer acerca disso.