O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 12, que apela para que os agentes económicos adotem práticas de produção e consumo responsável, é provavelmente o que nos vem à mente quando pensamos no negócio da grande distribuição. E, realmente, existe uma grande responsabilidade ,das empresas que se dedicam a este setor, não somente na forma como entregam os seus produtos, nos locais que escolhem para o fazer e como informam o consumidor, contribuindo para a sua consciencialização e escolha livre - o que é o mesmo que dizer, uma escolha realmente bem informada -, mas também na escolha dos produtos, nas políticas de preços e de crédito que adotam, e no escrutínio de quem os produz e na gestão dos impactos que toda a operação gera no Planeta.
Mas também não deixa de ser verdade que também existe uma responsabilidade, não apenas nas condições de trabalho que proporcionam aos seus trabalhadores - quer no que se refere a justa remuneração, face ao conteúdo funcional do seu trabalho, quer no que toca à previsão de um plano de desenvolvimento pessoal e profissional dentro da organização (responsabilidade essa que, em empresas que colocam a sustentabilidade no centro da sua estratégia, é transversal a setores) -, mas também no que se refere aos seus fornecedores. Aos produtores que fornecem as matérias-primas que, em muitos casos, são fundamentais para a subsistência e para a qualidade de vida das pessoas. E, aqui, estamos a falar do ODS 8 - Trabalho Digno e Crescimento Económico.
A Grande Distribuição tem, pois, um papel muito especial, a montante e a jusante da sua cadeia de geração de valor - ela não é só a intermediária entre produtores e consumidores, de alguns dos produtos mais relevantes para as pessoas. A Grande Distribuição é também, em potência, um dos principais intermediários de sustentabilidade e na geração transversal de uma consciência da importância e necessidade de alteração de comportamentos que garantam que a sustentabilidade não é apenas uma palavra sem sequência.
Onde se devem focar e como podem utilizar esta responsabilidade para otimizar resultados, no impacto e no negócio? Dependerá, naturalmente, de variáveis relacionadas com o objeto do negócio e com os modelos que atualmente estão implementados, na vertente interna, bem como dos contextos específicos nos quais operem (ambiente externo). Mas existem algumas áreas fundamentais que não podem deixar de ser consideradas. Deixo aqui, como exemplo uma das áreas, entre muitas, que considero prioritárias - a do procurement.
O desenvolvimento de processos de identificação e seleção de fornecedores que já tenham uma forte componente de sustentabilidade na forma como produzem e oferecem os seus produtos ou serviços - e neste ponto, é interessante olhar para o fenómeno do social procurement.
Trata-se de integrar, neste processo, que por regra, no caso da grande distribuição, tem como principais motores os fatores do preço, da qualidade dos produtos e da capacidade de entrega atempada com a escala necessária, um fator adicional de seleção - o impacto social e/ou ambiental já gerado por potenciais fornecedores. Isto é não somente uma forma de incorporar inovação social e ambiental na organização que não implica um enorme investimento, como também funciona como um incentivo ao crescimento e sustentabilidade económica deste tipo de negócios.
E, para se ter uma noção dos números, segundo um relatório recente do Ministério da Economia Francês, os negócios sociais já constituem 14% do emprego em França. E, no Reino unido, segundo a Social Enterprise UK, representam já cerca de 3% do PIB.
Esta abordagem tem vindo a ganhar cada vez mais relevância a nível internacional - a SAP, por exemplo, assumiu o compromisso de, até 2025, incluir no seu processo de sourcing, a disponibilização de 5% do seu orçamento disponível para a contratação de negócios sociais (negócios economicamente viáveis, que nascem e têm na sua missão, como principal objetivo, a criação de valor social e/ou ambiental).
Existe também, no Reino Unido, uma iniciativa intersectorial – o UK Buy Social Corporate Challenge - muito interessante, que junta empresas que operam em contextos diferentes - empresas como a Deloitte, a Johnson & Johnson ou a Siemens - para, com o seu poder acumulado de compra, terem uma influência decisiva, a nível nacional, sobre a forma como estes processos podem gerar impacto social e ambiental na sociedade.
Mas uma procura sustentável de fornecedores implica mais do que isto. Para além de incluir nos processo de seleção, uma preocupação com a formação e a capacitação dos atuais fornecedores na transição para uma via mais sustentável de gerirem os seus negócios, passa também por considerar e integrar os múltiplos potenciais impactos sociais e ambientais negativos, bem como as oportunidades de criar processo de inovação para a geração de valor social e ambiental, ao longo de toda a cadeia de valor, desde a conceção e desenvolvimento de produto, até a sua reciclagem e reutilização, no final da sua vida, introduzindo circularidade em modelos tradicionalmente lineares e geradores de desperdício.
Com grande poder, vem uma grande responsabilidade. E existem duas formas de olhar para este papel fundamental da grande distribuição. Que enorme fardo. Ou, nos seus antípodas, mas que grande oportunidade. Segundo um estudo realizado pela Universidade de Oxford, com uma amostra de mil líderes de procurement e gestão da cadeia de valor dos seus negócios, 86% deles vêm isto como um fator competitivo diferenciador. Concordo com eles. Assim continuemos, em Portugal, este caminho. Muito tem sido feito, em várias empresas portuguesas, neste sentido. Que seja dada voz e visibilidade a estes exemplos, para que possam inspirar outros. Para bem de todos.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: