Dentro de uma lógica de mercado, e para as marcas que alimentam este fenómeno, faz todo o sentido em termos de modelo de negócio – ciclos de produção e venda mais curtos, maior rotatividade nas vendas e, claro está, um maior volume de vendas. É um negócio que vive da criação de tendências, com uma sazonalidade eficiente e que funciona, em termos financeiros, para marcas e clientes.
Mas quais as reais implicações desta tendência? Indico três que são, no meu ponto de vista, as mais importantes:
- Desperdício de Recursos: O fast fashion, ao implicar uma produção em massa, frequentemente resulta num uso excessivo de recursos naturais – como a água e energia -, além de gerarem resíduos significativos que, na maior parte dos casos, não são reutilizáveis;
- Condições de Trabalho Precárias: Para dar resposta à procura elevada, muitas marcas têm processo de sourcing e procurement que, em termos do “S” dos ESG são, no mínimo, duvidosos, escamoteando as condições de trabalho desumanas em muitos contextos geográficos e unidades de produção, com uma aproximação muito pouco sustentável, a montante da cadeia de valor;
- Poluição: A produção de roupas envolve o uso intensivo de produtos químicos tóxicos, contribuindo para a poluição da água e do solo.
Existem muitas marcas que, imbuídas de um espírito de sustentabilidade (se será genuíno ou não, não cabe a mim julgar e, honestamente, mais do que fazer julgamentos, interessa-me avaliar os reais impactos positivos das estratégias definidas), tomam algumas iniciativas para mitigar os impactos negativos desta, digamos assim com todas as letras, estratégia de negócio e maximização de lucro. No essencial, através de três tipos de práticas distintas:
- Alteração de modelos lineares para modelos circulares de produção: Algumas marcas promovem a reciclagem das roupas, incentivando os consumidores a devolverem peças antigas para serem reutilizadas;
- Utilização de Materiais Sustentáveis: A utilização de materiais orgânicos, reciclados e inovadores, como os tecidos biodegradáveis, está, progressivamente, a ganhar protagonismo na indústria;
- Transparência na Cadeia de Valor: muitas marcas estão a adotar mecanismos de comunicação diretos, nas próprias peças ou em plataformas digitais, demonstrando, de forma transparente, a origem e o processo de produção, gerando maior confiança e credibilidade para os seus Clientes. E, com isso, ganham, também, capital de credibilidade, que é de extrema importância para outros stakeholders – como investidores, colaboradores e media.
Mas, mais do que estes impactos negativos, preocupa-me um outro, que é mais esquecido e, como tal, mais importante de endereçar. E que está relacionado com o impacto que campanhas de marketing e comunicação agressivas provocam na psicologia dos consumidores. Para começar, na cabeça dos principais consumidores deste tipo de produto – os jovens. E, claro, com a anuência e a cumplicidade de pais e outros adultos que, devendo, na minha perspetiva, ser modelos e exemplos de comportamentos consciente de consumo, muitas vezes fazem exatamente o contrário, com motivações diversas, que têm raízes em causas tão diferentes como a falta de tempo que conseguem dedicar ao contexto familiar, os sentimentos de culpa que isso gera e a consequente tendência para “comprarem” essa compensação de um modo fácil, ou ao simples ato de conseguirem a recompensa da gratidão rápida e imediata de um sorriso dos seus filhos.
Pensar em sustentabilidade passa, sem qualquer dúvida, por pensar nas raízes profundas para as quais devemos olhar, mas, também, perceber a nossa responsabilidade no processo de deterioração de sistemas que, no fim do dia, vão prejudicar a qualidade de vida dos nossos filhos e netos.
Por muito trabalho que dê e tempo que tire, talvez esta seja a questão mais urgente a endereçar. Por que não criar uma Academia para Pais, na qual, pais e mães, se inscrevessem voluntariamente para serem treinados e preparados para, mais do que serem escudos protetores de medos e erros, poderem ser uma plataforma de criação de crianças e jovens com competências para a autonomia, a responsabilização e o uso consciente da liberdade? E porque não as marcas serem cada vez mais genuínas na forma como apresentam produtos e serviços, ou no modo como partilham as ambições, as conquistas, mas também os erros e as suas aprendizagens com esses erros?
Certamente estaríamos muito melhor se o falar da sustentabilidade fosse “a par e passo” com a coerência das ações. Fica o desafio.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: