SER

Conhecimento e contexto

Lembro-me de, há uns tempos, num evento organizado, em Lisboa, por uma marca muito conhecida da grande distribuição, haver algumas vacas e ovelhas no cenário montado no Terreiro do Paço, e de ter ficado perplexo com a quantidade de crianças e adolescentes que nunca tinham visto uma vaca na vida. Pensei, na altura – mas porque é que as coisas básicas da Natureza não estão no topo da agenda, quer de escolas, quer de pais, se dependemos delas para sobreviver?

Muitas vezes penso no que aconteceria, no caso de acontecer uma tragédia natural, como um terremoto, num mundo onde a grande maioria da população, concentrada em cidades, não sabe lançar uma semente, cuidar de um animal, nem fazer muitas das coisas básicas para a sobrevivência. É tão fundamental para a nossa sobrevivência, que não consigo entender como é que esta matéria não é prioritária em toda as escolas.

Aprendemos a liberdade da democracia. Mas do que nos serve essa liberdade, sem a autossuficiência de sabermos cultivar os nossos próprios alimentos em caso de necessidade? Não sou um arauto da desgraça, mas não me parece que seja descabido pensar nisto. Basta lembrarem-se no cenário de caos e de pânico que tivemos, na Europa, há uns anos quando houve falhas no fornecimento de combustível durante uns dias. Ou a corrida desenfreada aos supermercados, no início da pandemia.

Isto é ainda mais verdade, num momento da história da humanidade em que a sustentabilidade é pior do que a pasta medicinal Couto – anda na boca de toda a gente. Mas não basta atirar as palavras para o ar – é preciso, em primeiro lugar, saber e conhecer as matérias sobre as quais estamos a falar e, depois, agir em conformidade. Se nem sequer sabemos distinguir bem o que é uma vaca e o que é um boi, se achamos que desertificação e despovoamento são a mesma coisa, que esperança existe de que a sustentabilidade possa vir a ser uma realidade?

Quando analisamos, em inovação social, um determinado problema, começamos sempre por fazer 2 coisas – definir de forma clara e precisa o problema social, identificando claramente o seu contexto, e analisar as suas causas mais profundas. E o contexto é, efetivamente, o ponto de partida que nos pode dar as pistas sobre muitas das soluções que procuramos, quando combinado com conhecimento. Por isso, apetece-me sugerir a todas as famílias que façam o esforço de se descontextualizarem das suas vidas urbanas, e que planeiem regularmente incursões pela Natureza e vão aprendendo mais sobre a Natureza e tudo o que ela tem para nos dar. Não só de alimento e bens para a nossa sobrevivência, mas de outros ensinamentos que resultam da sua mera observação. O que não pode acontecer é haver crianças que veem uma vaca e perguntam se é um cão. Isso é que não.

E atualmente não existe mesmo desculpa nenhuma. Com o nível de acesso a informação e com as soluções, mesmo para quem vive em contexto urbano, que nos permitem trazer a Natureza para dentro das nossas casas e diariamente conhecer mais sobre ela. E perguntam? Mas porque é que eu, que não trabalho com a Natureza, não vivo no campo, vou ter de saber cultivar um alimento ou ordenhar uma vaca, se eu vou ao supermercado e compro tudo lá? E a resposta é – não tem. Não tem de o fazer. Mas se o não fizer, existe um preço a pagar. Chama-se ignorância. E essa tenho a certeza de que nunca conduz a bons resultados.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: