Há cerca de 2 anos fiz um estudo que procurava apoiar o desenvolvimento de um conjunto de regras de sustentabilidade para o setor vitivinícola. Uma iniciativa promovida por uma Fundação, com base no Porto, mas que abarcava todas as regiões de produção do País. Foi uma excelente oportunidade, não só de ter mais conhecimento sobre uma das indústrias mais relevantes deste País, como também para perceber melhor o setor da agricultura e, sobretudo e ainda mais interessante, a diversidade e riqueza de um País que muitos julgam de forma homogénea, por ser um País pequeno, e a mentalidade das pessoas que estão por trás dessa indústria. Uma verdadeira exploração de culturas e mentalidades que me ajudou a compreender melhor o Portugal Profundo. E a consciencialização para a importância da sustentabilidade, nomeadamente a sustentabilidade ambiental, tem sempre de partir do ponto de conhecimento e compreensão das ambições e dores de quem está no terreno.
Gostava de partilhar algumas das revelações e constatações que tive e que estão profundamente relacionadas com a sustentação e a sustentabilidade da economia deste País.
A minha primeira revelação foi a de que as pessoas que dedicam a sua vida à exploração dos recursos de natureza, que dão origem à produção dos bens essenciais para a população – e não estou a referir-me ao vinho, mas à produção de alimentos e à pecuária em geral, pois um grande número de produtores não se dedica exclusivamente à produção do vinho – têm 3 ingredientes que considero fundamentais para a preservação dos recursos naturais. Uma paixão profunda pela sua atividade. Um conhecimento muito pragmático sobre a forma como a Natureza e os seus ciclos funcionam. E, finalmente, uma grande preocupação em manter e cuidar daquilo que é o suporte básico da sua atividade.
Se a paixão garante a persistência necessária para criar a sustentabilidade de longo prazo, o conhecimento e a experiência são a base fundamental da exploração de qualquer recurso e, por fim, a preocupação com os recursos naturais são a cama sobre a qual se constroem os pilares de qualquer estratégia de sustentabilidade. O mais interessante é que estas características são transversais a idades e motivações. Desde o pequeno produtor que vive da agricultura para a sua subsistência, ao jovem agricultor que vê neste mister uma oportunidade de vida alternativa, até ao grande produtor que, consciente do potencial risco da sua exploração, é extremamente preocupado com a preservação desse sustento. Confesso que foi uma surpresa e um “abrir de olhos”.
Na minha cabeça, criaram-se perceções e algumas sinapses que mudaram a forma como olho – e respeito – o trabalho de quem garante o nível básico da nossa pirâmide de Maslow.
Por outro lado, esta constatação muito interessante de que Portugal, sendo um País pequeno e relativamente homogéneo, apresenta uma riqueza e diversidade cultural - mentalidades e práticas – notáveis. Não é de todo a mesma realidade aquela que um viticultor enfrenta nos socalcos de um Douro vinhateiro, numa planície alentejana ou numa produção em regiões mais experimentais – e também, por isso, muitas vezes mais inovadoras - como as da Grande Lisboa. Esta diversidade, se bem aproveitada, através de uma troca aberta e honesta de experiências e resultados, pode ser uma chave muito interessante para tornar Portugal naquilo que sempre acreditei que podia ser – uma espécie de Sillicon Valley para a Inovação na sustentabilidade. Exatamente por causa desta diversidade, num contexto fortemente interconectado, quer em termos geográficos, quer em termos de infraestruturas.
Tive ainda a perceção clara de uma cultura muito centrada na lógica do pequeno feudo – a defesa feroz de espaços de subsistência que se transformam em últimos redutos, sem qualquer permeabilidade a “interferências” externas. O que é o mesmo que dizer, uma resistência natural e primária à colaboração, pelo medo de perder o que já se tem. O equívoco parte exatamente daí – não se corre o risco de se perder o que se tem, por colaborar. Corre-se o risco de perder o que se tem, por não colaborar e não partilhar. E ainda o risco adicional de estar a perder oportunidades, nomeadamente de escala (e prosperidade), que só se ganham quando se juntam esforços.
Existe agora uma nova geração que se tem vindo a dedicar, não apenas à viticultura, mas à agricultura de uma forma geral, que é mais informada, e com uma maior literacia em termos tecnológicos. A chamada literacia digital. Acredito que esta pode ser a grande oportunidade para este setor. Mas que nunca acontecerá se não houver um trabalho prévio de mudança cultural. Um semear – para usar a linguagem mais adequada – de um ambiente propício ao florescer deste terreno raso para uma nova construção. E que passa necessariamente pela humildade em reconhecer o que falta e, depois disso, pela procura ativa de conhecimento, de aquisição de competências e de pontos de colaboração que alavanquem e escalem, com respeito pelo meio ambiente de onde retiramos os recursos, a produção destes bens que são essenciais à vida de todos.
A riqueza deste País não se resume à enorme diversidade natural, num espaço tão limitado em termos geográficos. A principal riqueza do País continua a ser o espírito empreendedor e acolhedor, que nos caracteriza aos olhos de quem vem de fora. Se aplicarmos isto ao dia a dia da Agricultura, acredito que existe um futuro pleno de oportunidades à nossa frente. Existem muitos indicadores positivos nesse sentido. Mas é da maior importância que se fomente e incentive este espírito coletivo, e de um sentimento de pertença a um património natural que é de todos.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: