Desde tinta lançada sobre ministros ou sobre quadros, até à interrupção do trânsito ou à ocupação de escolas e universidades, o ativismo climático nunca esteve tão presente. Faltam cerca de 5 anos e 257 dias até as alterações climáticas se tornarem irreversíveis, mas, olhando sobre outro prisma, a contribuição dos dois sexos para a resolução deste problema pode ser tudo, menos equitativa.
Um estudo realizado, em 2020, pelo Fórum das Mulheres para a Economia e a Sociedade (“Women's Forum for the Economy & Society”) aos países do G20 determinou que as mulheres alteram cerca de 6% mais os seus hábitos para combater as alterações climáticas. A análise foi noticiada pelo jornal ‘Politico’.
Outro estudo britânico, de 2018, concluiu que cerca de 71% das mulheres tentavam implementar um estilo de vida mais sustentável e ético, comparativamente a 59% dos homens. A Mintel, empresa que realiza estudos de mercado e que efetuou a análise, apelidou este fenómeno de eco gender gap (“falha ecológica de género”).
Com uma diferença média de 8%, os dois sexos diferem nas atitudes mais sustentáveis. As mulheres lideram todos os hábitos no Reino Unido.
Estes estudos mostram uma realidade próxima da atual, tanto temporalmente, como geograficamente. “Na [associação] Zero, por exemplo, a maioria da minha equipa são mulheres, e isso já é um reflexo também do que temos no movimento a nível nacional”, admite Islene Façanha, doutorada em Alterações Climáticas e Política de Desenvolvimento Sustentável e com investigações realizadas na área das questões de género na sustentabilidade.
“Podemos fazer um apanhado nos jornais, ou até muito facilmente tentar pesquisar entre os nomes do ativismo em Portugal e ver quem está mais à frente, quais são os nomes mais citados. Temos homens? Temos. Mas eu acho que as mulheres, agora, estão a crescer imenso”, justifica Islene Façanha, também membro da associação ambientalista Zero.
Na adoção de uma alimentação vegetariana ou vegana, homens e mulheres voltam a diferir. Em 2021, 60% dos portugueses com este tipo de alimentação eram mulheres, o que corresponde a cerca de 600.000 num milhão de veggies no país, segundo dados do relatório “The Green Revolution 2021 Portugal” da consultora de inovação espanhola Lantern.
Para Susana Fonseca, doutorada em sociologia e membro da direção da associação Zero, o consumo de carne pode estar associado a uma questão mais simbólica e geracional. “Para a nossa geração, é uma aquisição muito presente”, explica, “mas para gerações anteriores não era”, devido a esta diferença pode tornar-se um “sinal de que se está melhor na vida”. Além do valor simbólico, o seu consumo também é visto como fundamental para garantir a proteína, que permite o desenvolvimento muscular. “Associa-se muito à carne, a força, a energia, e isso associa-se muito ao lado masculino da nossa sociedade”, justifica.
Papéis de género podem estar na base da contribuição desigual
Devido à vulnerabilidade das mulheres às alterações climáticas e à associação da figura feminina ao cuidado do lar, atitudes mais sustentáveis parecem estar ligadas ao feminino. Brittany Bloodhart, psicóloga especialista em ambiente e de género e professora na Universidade Estatal da Califórnia, nos EUA, descreve que “as mulheres preocupam-se mais, são mais amorosas, carinhosas e protetoras”, o que é socialmente aceitável. Se um homem demonstrar tais características, já não é aceitável. Trata-se de um “fenómeno de socialização”.
“Analisámos se os homens sentem que podem exprimir mais aquilo que consideramos emoções femininas” quando se trata de preocupações com o ambiente, explica Brittany Bloodhart. Os homens parecem ser “menos propensos a expressar” emoções como a empatia, culpa, tristeza ou medo.
Os papéis de género são um fator crucial no agravamento do ‘eco gender gap’. Enquanto se considera que o homem providencia o sustento do lar, a mulher responsabiliza-se pelo espaço doméstico e pelo cuidado da família.
Susana Fonseca, da Zero, explica que, devido a esta imputação cultural de a mulher ser a figura cuidadora, quando recebem algum tipo de apoio ou financiamento é mais comum que esse dinheiro seja investido na comunidade, na saúde ou educação.
Outra possível explicação para as mulheres demonstrarem uma maior preocupação com o ambiente é a maior vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos e alterações climáticas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
As mulheres “são as primeiras vítimas das alterações climáticas e são as vítimas que mais sofrem, porque as mulheres têm menos recursos, as mulheres têm menos educação, menos acesso à educação, têm menos oportunidades financeiras e têm esta carga do trabalho reprodutivo”, explica Silvia Moutinho, vice-presidente do conselho nacional da Quercus, a associação nacional de conservação da natureza. Alerta ainda que as mulheres estão mais sujeitas a ser vítimas de agressões e violações nos centros de refugiados, por isso, enquanto refugiadas climáticas estarão mais propensas a estas agressões.
“Existe uma grande diferença entre as mulheres que estão realmente a sofrer e a ser afetadas pelas alterações climáticas e as mulheres que têm o poder e o privilégio de protestar e de serem ativistas”, esclarece Brittany Bloodhart. Embora seja notável nos países desenvolvidos o impacto diferenciado das alterações climáticas consoante o género, “não são tão graves ou díspares como os impactos nos países do terceiro mundo”.
Nos países subdesenvolvidos, as mulheres subsistem maioritariamente da agricultura, o que significa que em casos de cheias, secas ou pragas, o rendimento é consideravelmente afetado. Nestes casos, as meninas costumam abandonar a escola para ajudar as mães.
Ainda assim, há áreas nas quais os homens são mais ativos. Em decisões sobre a energia, como a instalação de painéis solares ou melhorias térmicas na casa, os homens destacam-se, revela a psicóloga. Ações relacionadas com o trabalho doméstico “são consideradas tarefas femininas, por isso, vemos, sobretudo, os homens a tentar evitar” esse tipo de comportamentos.
A resistência masculina
Reciclar ou usar um saco de pano para ir às compras ou adotar uma dieta vegetariana são atos associados à feminilidade, segundo um estudo publicado pelo journal ‘Sex Roles’, em 2019. Esta associação pode desencorajar os homens a realizarem certas ações amigas do ambiente por terem receio de serem percecionados como homossexuais ou efeminados.
Em 2016, outra investigação publicada no ‘Journal of Consumer Research’ tinha concluído que “os homens podem ser motivados a evitar ou mesmo a opôr-se a comportamentos ecológicos, a fim de salvaguardar a sua identidade de género”. As mulheres não eram tão suscetíveis aos sinais indicativos de género na adoção de um comportamento ecológico.
Este receio em torno da identidade de género resulta na ideia de que os homens “não são suficientemente másculos se agirem de determinadas formas”, enquanto “as mulheres, de certa forma, têm mais flexibilidade na forma como agem ou se expressam”. explica Brittany Bloodhart.
“Têm muito mais limites em relação à sua expressão de género e da sua masculinidade. E penso que essa a preocupação acerca do ambiente, dizer que se está a proteger o ambiente, vai de encontro a alguns desses limites masculinos”, diz.
Silvia Moutinho, da Quercus, partilha uma opinião semelhante, “ainda temos homens que se acham menos machos, por usar determinadas coisas, porque acham que as suas opções sexuais se refletem nas suas escolhas”.
“São sintomas da masculinidade tóxica”, admite Tiago Matos, engenheiro do ambiente e ativista, conhecido como Tiago Grentribe na rede social Instagram. Quando o homem não está confortável em ir às compras com um saco de pano, “mostra que está frágil em relação à sua sexualidade, à sua própria masculinidade”.
O receio em parecerem homossexuais, “como se isso fosse um insulto”, revela um motivo centrado no ego e na fragilidade da própria masculinidade. “Se a nossa masculinidade fosse efetivamente saudável, isto não seria um tema, eu vou às compras, levo o meu saco de pano e não tenho problemas nenhuns, pelo contrário, até sinto que estou a educar as pessoas que olham para mim”, afirma Tiago Matos.
Brittany Bloodhart partilha que o seu irmão, que é vegan, é constantemente questionado sobre a sua sexualidade. “Chega ao ponto de, assim que ele diz a alguém que é vegan, perguntarem se ele é gay, porque interpretam isso como se ele não pudesse ser adequadamente másculo ou heterossexual”, confessa.
Tiago, por outro lado, diz que nunca recebeu comentários do género, embora já tenha recebido comentários negativos, não foram relacionados com a questão da sexualidade.
Ainda assim, a psicóloga norte-americana alerta que, devido à polarização política nos EUA, qualquer comportamento que se tenha publicamente, as pessoas vão interpretá-lo de uma forma que defina a orientação política. Nos estudos conduzidos por Brittany Bloodhart, concluiu-se que a orientação política, ou a perceção desta, tinham um papel preponderante na atitude ambiental. “O ambiente é uma daquelas questões desagregadoras que as pessoas associam fortemente a grupos políticos”, justifica.
Além desta resistência, os homens contribuem mais para a emissão de gases poluentes. O gasto deste sexo em bens causa 16% mais de emissões, quando em comparação com as mulheres. São as descobertas de um estudo sueco, de 2021, publicado no ‘Journal of Industrial Ecology’. Esta emissão mais elevada resulta de um maior gasto em combustível para os automóveis.
Um relatório do Instituto Europeu para a Igualdade de Género concluiu que as mulheres estavam mais dispostas a mudar os seus hábitos pessoais para mitigar os efeitos da crise climática, e consequentemente, mostravam-se mais dispostas a gastar dinheiro em produtos amigos do ambiente e a pagar mais por eles, enquanto os homens apoiavam soluções como carros elétricos ou o uso da energia nuclear.
Carolina Falcato, porta-voz do movimento Climáximo, explica que as mulheres poluem menos porque “andam menos de carro, usam mais transportes públicos, e comem menos carne”, além de parecerem estar mais “disponíveis para outras posturas” e “aceitar que têm de fazer grandes mudanças na sua vida”.
Ainda assim, a psicóloga Brittany Bloodhart alerta que a adoção de hábitos amigos do ambiente também se relaciona com a riqueza e o estatuto. “Há alguns estudos que mostram que, à medida que as mulheres ganham riqueza, tendem a agir mais como os homens em relação ao ambiente, pelo menos, tendem a ter menos comportamentos ambientais”, esclarece.
Mulheres no ativismo e homens nos cargos de poder
Apesar desta discrepância nos hábitos sustentáveis, as mulheres estão em minoria na representação política. Em novembro de 2021, as ministras responsáveis pelas políticas do ambiente representavam apenas 26,8%, enquanto os homens correspondiam a 73,2%, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género.
Em 2022, a representação contínua díspar, também segundo o mesmo Instituto.
Em Portugal, em 2022, o executivo do Ministério do Ambiente e da Ação Climática não possuía qualquer mulher, com um ministro e três secretários de Estado. Atualmente, com a saída de João Galamba, como secretário de Estado, foram contratados dois secretários, Ana Gouveia e Hugo Pires, contando atualmente com uma mulher no Executivo.
Islene Façanha alerta para a possibilidade de “cairmos num ciclo vicioso”, ao acreditar que “as mulheres é que são responsáveis pelos cuidados, elas também são responsáveis pelo cuidado do planeta e elas é que vão dar volta a isto, só que muitas mulheres não conseguem aceder também ao poder, porque ainda temos uma sociedade patriarcal”. Se “quem consegue tomar as decisões são homens e não homens a favor da causa do planeta”, a situação fica “um bocado difícil”.
Ainda que nem sempre atinjam cargos de poder, a inclusão das mulheres na gestão dos recursos conduz a uma melhor conservação dos mesmos e a uma alocação mais equitativa, além de se mostrarem mais eficientes na utilização dos recursos. Também é mais provável que o sexo feminino inclua a comunidade e família na tomada de decisões, segundo a ONU.
As mulheres são significativamente mais suscetíveis de apoiar a legislação ambiental do que os homens, de acordo com um estudo de 2019 publicado no Environmental Politics, que analisou os membros do Parlamento Europeu. “Líderes femininas são, muitas vezes, mais propensas de fazer grandes reformas”, afirma Carolina Falcato, da Climáximo e acrescenta que as decisões políticas são “muitas vezes mais sensatas”.
Uma questão de argumentos
Até a preferência nos argumentos sobre as políticas climáticas a adotar difere. Num estudo publicado no ‘Journal Global Environmental Change’, em 2018, mostrou que os homens preferiam argumentos centrados na ciência e no mercado, assim como tinham a tendência para “atribuir traços femininos” aos homens que utilizavam argumentos baseados na ética e justiça ambiental.
Também num relatório de 2021, do Fórum das Mulheres para a Economia e a Sociedade, realizado nos países do G20, foram registadas diferenças. As mulheres mostraram-se mais sensíveis a quase todos os argumentos utilizados para convencer a diminuir as emissões de dióxido de carbono, à exceção de um que indicava a possibilidade de taxar as emissões, no qual os homens se mostraram mais convencidos.
Na experiência de Carolina Falcato, da Climáximo, a questão dos argumentos tende a verificar-se. Os “homens tendem a focar-se mais nos factos, nas decisões e nas discussões técnicas, e as mulheres costumam estar mais focadas na parte mais estrutural, de ‘como é que nós mudamos isso e como é que vamos fazer as decisões’”, explica.
Que caras masculinas têm o movimento climático?
Com figuras conhecidas mediaticamente como Greta Thunberg, Jane Fonda, Wangari Maathai ou Mariana Gomes, que organizou a primeira Greve Climática Estudantil, os rostos masculinos famosos no ativismo ambiental são escassos.
“As mulheres ficam um bocado à frente, os homens já travam um bocado e ficam um bocado a questionar ‘o que é isto, como é que eu posso entrar nesta luta, como é que eu posso agir’”, descreve Islene Façanha. Os homens sentem que o seu espaço foi tomado, mas "é uma luta de todos”. Para a especialista, quando o sexo masculino começou a crer que se as mulheres estão à frente do movimento, pensaram que não é necessário agir, até mesmo em “em pequenos exemplos e comportamentos no dia a dia”.
Os homens ainda não encontraram o seu rosto no movimento climático. “Apesar de podermos citar muitas pessoas do movimento climático, mas acho que os homens ainda não viram um número equiparado de homens no movimento tão famosos quanto essas mulheres”, explica a especialista. É importante considerar a diversidade do ativismo ambiental e incluir não só representantes masculinos, como representantes intergeracionais ou pessoas de diferentes etnias.
Tiago Matos, ativista, admite que gostava de seguir mais páginas em que a figura fosse masculina. “Em Portugal temos duas ou três, não sei, mas mesmo assim, a nível internacional não conheço, assim, grandes páginas, mas gostava [de seguir], sinceramente”, admite.
A representatividade pode ser um ponto-chave para desencadear a ação masculina. “Ajudaria a criar outro tipo de empatia, ou seja, eu se calhar crio empatia com determinado grupo de homens, mas se calhar há outro homem, que gosta de coisas diferentes de mim, que vai criar empatia noutro grupo”, explica Tiago Matos. “Quanto mais, melhor, ajuda sempre a desconstruir um bocado os preconceitos”, diz.
Trabalho não-pago doméstico acentua a disparidade ecológica de géneros
Este eco gender gap é acentuado pela responsabilidade incumbida à mulher de cuidar da casa e da família. Segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, em junho deste ano, as mulheres despendem o dobro das horas a cuidar dos filhos (pelo menos cinco horas diárias), quando em comparação com os homens.
Uma situação que se mantém, desde 2016. Nessa altura, na União Europeia, 78% das mulheres realizava tarefas domésticas diariamente, quando em comparação com 32% dos homens, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Género.
Em 2022, o projeto “O valor do trabalho não pago de mulheres e de homens – trabalho de cuidado e tarefas domésticas”, gerido pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, concluiu que o trabalho não pago de cuidado e trabalho doméstico, em Portugal, representa, no mínimo, 40 mil milhões de euros por ano. Quando se trata do trabalho não pago realizado pelas mulheres, o valor sobe quase 70%.
Se o valor do trabalho não pago de trabalho doméstico fosse incluído no PIB português, este representaria entre 15,6% e 26,6% do produto.
No mercado de produtos sustentáveis, quem compra mais são as mulheres
Outro ponto essencial no ‘eco gender gap’ é o funcionamento do mercado sustentável. A comunicação de produtos mais ecológicos, como um sabão feito de ingredientes naturais ou peças de vestuário feitas com o desperdício de fábricas de vestuário, é, quase sempre, direcionada às mulheres.
“As mulheres são responsáveis, na maioria das vezes, por fazer as compras e acho que os profissionais de marketing sabem disso”, explica a psicóloga Brittany Bloodhart. Trata-se de alimentar “o sentido de identidade das pessoas e a identidade de género tende a ser, provavelmente, um dos componentes mais fortes”.
Lojas sustentáveis como a Musa, Maria Granel ou Mind The Trash possuem um público esmagadoramente feminino, embora vendam produtos destinados a elementos dos dois sexos.
“Estamos a falar de uma percentagem [de mulheres] bastante elevada, na ordem dos 90% na loja física”, explica Eunice Maia, fundadora da loja Maria Granel, uma mercearia biológica a granel e loja de acessórios sem plástico. “Na loja online, curiosamente, temos uma percentagem um bocadinho mais elevada de público masculino”, revela. Enquanto a loja física está sediada em Lisboa, a loja online abrange tanto o continente como as ilhas, o que pode explicar este aumento de público.
Também a Musa, uma marca de cosmética natural, apresenta um público esmagadoramente feminino, “a parte da área da cosmética é inevitavelmente mais ligada a um público feminino”, justifica Catarina Nobre, criadora da marca.
Com alguns produtos dedicados ao mercado masculino, como um champô sólido para a barba e cabelo ou óleo para a barba, a fundadora da marca explica que os “produtos do público masculino são os que nós não vendemos assim tanto, temos vários homens a procurar, mas mesmo assim é uma fatia mais pequena daquilo que nós vendemos”.
Ainda que tentem implementar uma comunicação unissexo e trabalhem com influencers masculinos, diferenciando apenas pelo produto mais adequado ao tipo de pele ou cabelo, Catarina Nobre admite que não há “muito interesse em explorar mais” os produtos direcionados ao homem, porque se afasta da comunicação da Musa e “mesmo a parte de desenhar embalagens acaba por ser mais difícil”.
Também a loja de vendas online de produtos alternativos ao plástico e aos não naturais, Mind the Trash, é constituída por um público cerca de 90% feminino. “Mas isso não significa que não tenhamos, por exemplo, muitos homens aqui a vir levantar encomendas ou que não tenham interesse, porque têm”, explica Catarina Matos, a fundadora da loja.
“Ou pode ter começado por ela, mas depois chegou um momento em que o homem se converteu também, então o casal já tem vários hábitos implementados. Mas é ela que continua a fazer as compras como sempre fez.”, exemplifica a fundadora da Mind the Trash.
Eunice Maia explica que, durante a comunicação, o público-alvo é o feminino, mas realça que “muitas vezes podem ser as mulheres a comprar, mas o uso e o destinatário desse produto depois pode ser uma família e pode não ser apenas usado por mulheres”.
Quando estão a promover os produtos da loja, explica, há sempre o cuidado de mostrar quer imagens da figura masculina, quer da figura feminina, de forma a mostrar a versatilidade dos produtos. Com palestras, workshops e formações em escolas e empresas, a comunicação da Maria Granel consegue “nitidamente” chegar a mais homens, mas os contactos que recebem, por parte das empresas, são sobretudo mulheres.
Para exemplificar como o interesse masculino pode estar disfarçado, Eunice Maia explica que, durante as apresentações sobre os produtos menstruais, “é muito interessante ver como eles próprios fazem perguntas e querem levar essas soluções para as filhas, para as parceiras, para as mulheres, e acabam por ser também um canal importante de mudança”.
Nas redes sociais o público masculino da Mind the Trash é cerca de 9% e o resto feminino. Há seis anos, o público masculino aumentou 1%, mas está estagnado desde aí. “Eu diria que é mais natural serem as mulheres a fazerem este tipo de compra, o que não significa que o homem não tenha interesse”, justifica Catarina Matos.
Nos workshops que a loja promove, o cenário é semelhante, embora haja mais homens a frequentar, estão sempre num número muito inferior.
“Nós vemos, hoje em dia, muitos homens ligados ao tema da sustentabilidade, mas noutras vertentes, ou seja, se calhar não tanto a fazer estas compras na nossa loja, de artigos para o lar, mas, por exemplo, em negócios relacionados com o setor financeiro, as finanças sustentáveis, investimentos sustentáveis”, explica a fundadora da Mind the Trash.
Tiago Matos explica que não sente falta de “produtos necessariamente masculinos” porque consome produtos unissexo. “Pode haver aqui uma grande diferença na oferta da roupa, mas isso sinceramente acho que acontece mesmo na fast fashion, é sempre muito mais roupa e moda feminina do que masculina”, diz.
Com várias parcerias ao longo dos três anos em que se encontra ativo no Instagram, o ativista explica que não costumam ser produtos tipicamente masculinos, mas sim produtos unissexo, pois o público de Tiago é 80% feminino.
“Essa é uma grande batalha minha, trazer mais homens para a sustentabilidade”, confessa. O ativista aponta o menor tempo despendido nas redes sociais e ter seguidoras que já vieram de páginas de mulheres ativistas pelo clima, como dois dos maiores fatores para não conseguir atingir um público mais masculino.
“Eu já perguntei às minhas seguidoras, para falarem com os namorados, para tentarem perceber porque é que não há esse interesse e as respostas são sempre essas, tipo, não lhes interessa, acham sempre que é uma cena feminina”, diz e acrescenta “há este preconceito, este ego masculino muito presente”.
Quanto tempo até as contribuições entre os dois sexos serem iguais?
Para Carolina Falcato, da Climáximo, o mercado é um dos maiores responsáveis pela desigualdade de hábitos sustentáveis. “Elas [as mulheres] continuam a estar propensas a fazer estas decisões consumistas, a responder às necessidades que toda a nossa sociedade continua a impor”, explica e acrescenta “o próprio lado que está a dar necessidades às mulheres, também está a impor a responsabilidade delas conseguirem ser ecologicamente mais responsáveis”.
“O que eu defendo, mesmo, é que nós temos de tornar as decisões mais ecológicas, temos de tornar essa decisão, a decisão mais vantajosa e confortável para as pessoas e não culpar o indivíduo”, afirma a ativista. Por exemplo, é preciso melhorar a rede de transportes para que usar transportes seja “a primeira coisa que as pessoas pensam porque os transportes já estão muito melhores e os carros não são ambientalmente favoráveis”.
Carolina Falcato confessa, ainda, que não sabe se a contribuição igualitária dos dois sexos fará alguma diferença. “Infelizmente, eu acho que não vai ser isso que vai fazer a grande diferença, eu acho que o que vem aí é um momento em que não nos podemos, nem vamos conseguir preocupar-nos com o que nós estamos a fazer individualmente, porque nem sabemos bem o que vai ser o dia de amanhã”, afirma.
A consciência da crise climática, independentemente do género, e a preocupação em tornar escolhas mais sustentáveis podem contribuir menos para o estado de “desregulação climática”. Silvia Moutinho, da Quercus, defende que “estes fenómenos climáticos extremos vão ser cada vez mais frequentes e cada vez mais graves”, por isso, é impossível “estar agora calmamente a sentarmos numa sala e agora ‘vou explicar-te devagarinho como é que isto é’”. Com o tempo da educação já passado, é urgente inverter as atitudes.
Com outra opinião, a ação política é, para Susana Fonseca, da Zero, o caminho a tomar. A intervenção política é essencial para criar condições idênticas para todos que obrigue a uma ação comum.
“Para se conseguir uma mudança e para que as práticas ambientais deixem de ser de nicho, como ainda acabam por ser em muitos casos, e passem a ser genéricas à sociedade, a homens e mulheres, é, de facto, a regulamentação, as políticas de incentivo e de penalização serão fundamentais. Não haverá nunca uma massificação de determinadas práticas sem uma intervenção política forte,”, defende.
Com soluções a serem apontadas como apelar à masculinidade do homem para se envolver em questões ambientais, para Brittany Bloodhart, a longo prazo, esta resolução pode causar mais mal do que bem. O caminho mais sensato trata-se de desconstruir certas crenças e preconceitos sobre o género.
A igualdade de género e uma desconstrução dos papéis de género sociais são também os pontos essenciais para Islene Façanha. “Se a igualdade de género já demora um certo tempo para alcançarmos, eu acho que se não começarmos hoje, precisamos de todos os esforços para ontem”, assegura.
Com a igualdade de género a poder ser atingida só daqui a 286 anos, segundo o relatório da ONU Mulheres,"Progresso nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: O Retrato do Género 2022", Islene defende que, além da inclusão de todos na discussão, é preciso dar a conhecer bons exemplos de casos que demonstram que a igualdade de género é possível. “Porque a esperança também move as pessoas, a inspiração move as pessoas e uma boa motivação também move as pessoas”, diz.
Texto de Eunice Parreira editado por João Cândido da Silva
Texto alterado a 7 de novembro para corrigir o doutoramento de Islene Façanha