SER

O alternativo e o preconceito

Sem aprendizagem e capacidade de integração da diferença, a única coisa que podemos ter como certo é a estagnação. E isso… é tudo menos sustentável. O preconceito não é amigo de ninguém

Existe um fenómeno curioso, que se prende, em parte, com a tendência da mente humana para a norma e, noutra parte, com o preconceito contra a mudança. É que sempre que falamos em “alternativo”, a tendência natural é a de imaginar um mundo de construções subterrâneas, talvez até um pouco ilícitas, e certamente duvidosas, porque não legitimadas, ainda, pelo tempo, ou pela adesão em massa. O que nos esquecemos, no entanto, a maioria das vezes, é que todas as grandes soluções que hoje são convenção (as chamadas soluções institucionalizadas) já foram, em algum momento da história, alternativas. E, portanto, um bocadinho “esquisitas”. Um pouco como a Coca-Cola, que primeiro se estranha, depois se entranha.

Na educação, raiz maior de grande parte dos desafios sociais e ambientais que a humanidade enfrenta – pela sua inexistência, escassez ou pela sua incapacidade de dar resposta às necessidades – e apesar dos resultados evidentes, e da satisfação de significativos segmentos de população com a sua existência, muitos dos modelos de educação alternativos (e por alternativos, entende-se alternativos ao sistema educativo existente) são automaticamente categorizados e julgados, sem consulta prévia. Ou porque se baseiam nos pensamentos de um conjunto de “hippies” pseudo modernos, que estão mais preocupados em não alinhar com a norma, mas antes em contestarem o sistema dominante (como se estivessem numa categoria à parte do resto das pessoas); ou porque dão demasiada autonomia aos principais beneficiários da educação – crianças e jovens – “como se elas tivessem a capacidade de decidir o que é melhor para elas”; ou ainda porque nos transportam para um mundo pré-histórico, no qual o contacto com a natureza, por exemplo, e as aprendizagens que daí se podem retirar, são vistos como uma espécie de evasão para um mundo utópico, no qual o confronto com a realidade é evitado por uma evasão infantil de “abraçar árvores”, que em nada ajudam à resolução das prementes necessidades criadas por uma sociedade muito mais avançada.

Independentemente da avaliação desses modelos – e que deve ser feita e escrutinada, sobretudo porque a questão da educação é demasiado importante para andarmos a fazer experimentações, sem pedagogia e fundamento, apenas porque queremos “ser diferentes” – a verdade fundamental é que, ainda que muitos desses modelos tenham resultados comprovados em diversas dimensões, ainda assim a resistência permanece e, mais importante, que isso, a dúvida fundamental persiste, como uma espécie de mosquito que não morde, mas chateia. Apenas por zumbir.

Em Portugal, temos tido alguns exemplos de modelos alternativos de educação. Uns mais antigos (meados da década de 70), como o modelo da Escola da Ponte, em Vila das Aves, desenhado por José Pacheco e que se baseia na autonomia dos alunos, que podem escolher o seu próprio currículo e participar ativamente na gestão da Escola; outros mais recentes como a Brave Generation Academy, de Tim Vieira, ou a Escola 42 ou o TUMO Coimbra, de Pedro Santa Clara; ou, finalmente, o projeto Vila – Escola Sustentável, projeto de Maria Nolasco sediado em Campolide, em Lisboa, que tive a oportunidade de visitar recentemente e que, em alinhamento como Currículo Português, procura criar uma comunidade escolar que promova o desenvolvimento local e individual, de forma responsável e regenerativa, respeitando e aprendendo com a natureza.

Seja qual for a opinião que se possa ter sobre cada um destes modelos, e sobre muitos outros que já existem há muitos anos, a verdadeira questão que se levanta é outra – a da atitude de base em relação a qualquer nova alternativa que surge. Grande parte de criar um mundo mais sustentável, tem necessariamente de partir, na minha opinião, de uma atitude de abertura a novas soluções. E isto significa coisas tão simples como – Interesse em conhecer, capacidade de ouvir e pré-disposição para aprender e integrar novas visões.

Porque a colaboração – que, aparentemente, todos agora consideram como fundamental para a evolução (e bem, no meu entender) não acontece sem isso. E, sobretudo, não acontece, se estivermos mais preocupados em impor a norma a todos, sem aceitar opções diferentes, do que em tomar consciência do valor que, com a liberdade de criação – valor básico que sociedades democráticas alegam defender -, conseguimos gerar para a sociedade.

Preocupa-me, pois, muito mais o preconceito e o apriorismo do que a eventual ineficiência ou ineficácia das múltiplas soluções alternativas que possam existir. Preocupa-me muito mais a imposição de uma verdade única, do que eventuais sonhos bem-intencionados de um conjunto de cidadãos automobilizados e empreendedores, que escolhem alternativas mais ajustadas às suas visões e conceções do mundo, do que a possibilidade do seu erro. Porque a verdade é que o mundo se move numa lógica de tentativa-erro. E que, sem aprendizagem e capacidade de integração da diferença, a única coisa que podemos ter como certo é a estagnação. E isso… é tudo menos sustentável. O preconceito não é amigo de ninguém.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: