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A culpa é deles

Temos, em Portugal, muito talento e muito qualificado. Mas temos de trabalhar melhor a reconhecer aquilo que não temos e que estamos a fazer menos bem. A falta de autorresponsabilização é, na minha opinião, uma das principais causas da falta de competitividade do País

Há pouco tempo vi uma notícia na qual se dava conta de um atraso significativo no reembolso de apoios concedidos por fundos europeus, enquadrados no Portugal 2020, por parte do IAPMEI, devidos à acumulação de trabalho no Compete (que coordena a rede de sistemas de incentivos), em resultado de uma concomitância de Programas de Financiamento – o fim do Portugal 2020, o arranque do Portugal 2030 e o Plano de Recuperação e Resiliência.

Muitas vezes existe, em Portugal, uma tendência, quando se fala de negócios e da sua competitividade, de trazer logo a lume aqueles que são os principais problemas com os quais se defrontam empresários, empreendedores e gestores – a carga fiscal, as burocracias, a morosidade da justiça, a falta de acesso a financiamento ou a ineficiência das entidades e organismos responsáveis pela regulação e supervisão dos processos de apoio, como por exemplo, a gestão dos fundos europeus. Quando se fala em querer crescer, o problema passa a ser a falta de escala, por causa da dimensão do País. E uma rápida vista de olhos nas notícias, confirma sempre isto.

E sim. Infelizmente é verdade – temos muito problemas em Portugal que não ajudam ao desenvolvimento - nomeadamente em áreas tão relevantes como a Justiça, a Educação ou a Política fiscal -, e que, em alguns casos, tornam a vida muito difícil a quem procura criar alternativas viáveis de negócios. Mas, sendo isto verdade, não exclui a responsabilidade dos próprios gestores, empreendedores e empresários na gestão dos seus próprios negócios. Poucas vezes os ouvimos a dizerem coisas como “escolhemos mal o modelo financeiro de sustentabilidade”, “não pensámos bem na proposta de valor” ou “não conseguimos mais financiamento porque a nossa solução não está a responder à necessidade, ao problema, ou porque não fomos suficientemente diligentes e não nos procurámos informar devidamente”.

Esta falta de autorresponsabilização é, na minha opinião, uma das principais causas da falta de competitividade do País. Naturalmente que existem muitos problemas estruturais, como a falta de eficiência, em muitas situações, da máquina pública, ou o envelhecimento da população ou a situação periférica do país, que influenciam e condicionam o sucesso. E outras mais conjunturais, como a subida das taxas de juro e a inflação decorrentes de uma guerra que não pedimos, e às quais não podemos fugir. Mas a gestão das empresas e da sua tesouraria, tem de ser eficiente, haja ou não financiamentos europeus e reembolsos a receber.

E o que me parece inegável é que tem existido, em Portugal, muito desperdício de oportunidades, nomeadamente ao nível dos financiamentos europeus (30 anos de fundos europeus, num total de mais de 90 mil milhões de euros), devido também, em grande parte, não à ineficiência da máquina pública ou das entidades que regulam o acesso aos financiamentos, mas sim à falta de qualificação e preparação de muitas organizações e gestores.

Mas esta é uma boa notícia, ao mesmo tempo. Porque implica que existe uma boa parte das variáveis que determinam a competitividade das empresas portuguesas, que dependem quase exclusivamente de si mesmas, da sua vontade e capacidade para investir no desenvolvimento das competências das pessoas, a começar pelos próprios gestores, e na eficiência da gestão.

A qualificação e a educação ao longo da vida, o reskilling e o upskilling são, mais do que nunca, urgentes e necessários. E, no que se refere a este ponto em particular, talvez as maiores apostas devessem ser, não apenas na aquisição de competências do futuro, como as competências digitais, mas também nas competências mais de base, como a literacia financeira, a capacidade de planeamento e de desenho de projetos de investimento sólidos. Não existe sustentabilidade social e ambiental, sem sustentabilidade financeira. Estão interligadas e interdependentes. E não existe sustentabilidade financeira sem competência e, claro, muito trabalho.

Temos, em Portugal, muito talento e muito qualificado. Mas temos de trabalhar melhor a reconhecer aquilo que não temos e que estamos a fazer menos bem. E responsabilizarmo-nos, atuando conscientemente, e investindo em fazermos melhor. Para bem de todos.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: