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A infodemia, a verdade e a força das palavras

Não comuniquem nada que não estão realmente a fazer ou não afirmem o impacto, a sustentabilidade ou a inovação de alguma medida, produto ou serviço que o não seja realmente. Parecendo simples, não o é. Mas é crucial que aconteça este alinhamento entre a verdade das coisas e o que se comunica

No contexto da pandemia, a Organização Mundial de Saúde utilizou, pela primeira vez, um conceito que parece exprimir bem a realidade que, sendo anterior à pandemia e que é muito presente na atualidade, caracteriza o mundo de informação no qual vivemos – “Infodemia” (numa clara ligação do conceito ao período em causa). Nestes momentos, em que todos vivemos, na primeira pessoa, o medo, a incerteza e a ambiguidade, o silêncio a que ficavam remetidos familiares e amigos internados, sem possibilidade de comunicação para fora das paredes dos hospitais, tornaram evidente uma excessiva abundância de informação, com diferentes graus de acuidade, que tornou extremamente difícil para as pessoas encontrarem informação fidedigna e uma orientação fiável, quando mais dela precisaram.

A infodemia tinha, na visão da Organização Mundial de Saúde, duas vertentes – a Desinformation e a Misinformation. Ambas as expressões significam, em português, desinformação, sendo que, no primeiro caso, fala-se da partilha propositada de informação falsa, ou para provocar um dano ou para obter benefícios ilegítimos e, no segundo, de uma partilha de informação falsa, mas sem a consciência da sua falsidade. Qualquer uma delas, com consequências que põem em causa o direito universal que qualquer pessoa tem de livremente procurar, receber e partilhar informação, e também a ter acesso a informação de qualidade (art.19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Quando falamos de sustentabilidade e da qualidade de vida de todas as pessoas, a qualidade da informação é um tema da maior relevância – para uma tomada de decisão realmente livre e consciente e, por outro lado, para uma maior inclusão. Ora, isto não se coaduna com a falta de zelo, a negligência e, muitas vezes, a propositada intenção de provocar o equívoco, que tantas vezes vimos na forma como muitas organizações usam palavras como sustentabilidade, impacto ou transformação na sua comunicação. As palavras têm um peso e um significado e a sua repetição até à banalização, não somente ajuda o tópico a perder, muitas vezes, a relevância, como confunde quem ouve, ficando, no final, por esclarecer o real significado dessas palavras. Senão vejamos.

Uma ação de voluntariado de uma empresa que vai pintar uma parede de uma organização social, cuja sede precisava de uma renovação. É impacto ou um acto de boa vontade? Depende do ponto de vista.

Na maioria dos casos, este tipo de ações têm um impacto muito positivo nos voluntários, e ajudam a alimentar o espírito de equipa e a fidelização ao empregador. Também ajudam ao bem-estar dos intervenientes e, muitas vezes, à sua produtividade (pelo menos no curto prazo) e ao seu equilíbrio pessoal. E nem se questiona a bondade e voluntarismo que, por si só, são sempre bem-vindas, quanto mais não seja pela onda de gratidão e de dádiva que isso provoca. Mas qual o impacto real para a missão da organização que viu a sua parede pintada e para os seus beneficiários?

Se entendermos impacto – como eu entendo –, como a transformação positiva e duradoura de comportamentos, condições de vida ou sistemas, no sentido da criação de melhores condições de vida para pessoas e comunidades, gerando valor para a sociedade como um todo, na maioria dos casos, pintar uma parede, não terá um impacto relevante. Mas, ainda assim, poderá haver casos em que possa ajudar a criar uma situação propícia a que o impacto possa acontecer de forma mais eficaz – por exemplo, uma parede pintada com cores alegres e mensagens positivas fortes pode ser importante para criar um ambiente de uma intervenção ou uma terapia com beneficiários de uma organização. Ou pode contribuir para criar uma motivação adicional aos trabalhadores da organização, ajudando ao cumprimento da sua missão, tantas vezes tão difícil.

O ponto fulcral é – seja qual for a situação que se comunica como tendo impacto, sendo sustentável ou representando uma inovação social, é crucial que se seja sério e honesto naquilo que se comunica e na forma como se comunica. E não contribuir para uma desinformação que, não só não esclarece o público de forma transparente e eficaz, como não contribui, a montante, para a criação de valor para a marca ou para a organização apoiada. Para isso, deixo algumas recomendações:

1) Alinhem internamente o que entendem por sustentabilidade, impacto, inovação social e comuniquem-no de forma clara e transversal. Só assim essa informação se tornará verdadeiramente acessível a quem a recebe;

2) Definam os vossos objetivos de impacto, de sustentabilidade ou de inovação social e desenhem uma teoria clara de como vão atingir esses objetivos. Uma narrativa, uma vez mais, simples, realista e, por isso, credível, daquilo que a vossa organização pode e quer fazer;

3) Comuniquem tudo o que fizerem identificando qual o impacto real que estão a ter, quem são os beneficiários e como é que isso contribui para a sustentabilidade do negócio no médio e longo prazo, gerando valor para a sociedade que, no caso das empresas, é representada pelos seus stakeholders.

4) Não comuniquem nada que não estão realmente a fazer ou não afirmem o impacto, a sustentabilidade ou a inovação de alguma medida, produto ou serviço que o não seja realmente.

Parecendo simples, não o é. Mas é crucial que aconteça este alinhamento entre a verdade das coisas e o que se comunica. No médio e longo prazo, parece-me ser a opção mais sustentável. Porque não basta parecer. É preciso ser.

Mário Henriques

Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: