Num estudo publicado na semana passada, a Católica-Lisbon, através do seu Center for Responsible Business and Leadership, garantia que as empresas portuguesas demonstram compromisso e alinhamento estratégico com os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), das Nações Unidas, mas ressalvava que nem todas estão prontas para o “tsunami legislativo que se avizinha”.
A União Europeia tem vindo a aprovar nos últimos anos várias diretivas que vão sendo transpostas para a legislação nacional e que obrigam as empresas a cumprir critérios mais apertados a nível do ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança) e a reportar mais informação ao mercado e aos stakeholders.
Numa entrevista recente ao Expresso SER, Isabel Ucha, presidente da Euronext Lisbon, queixava-se também das dificuldades que muitas empresas estão a sentir, e que vão sentir ainda mais em 2024, para cumprir “esta avalanche” de novas regras, “muito extensa, muito complexa e muito exigente do ponto de vista do compliance e da capacidade de digestão das empresas”.
Para ajudar as empresas a lidarem com este “tsunami” ou com esta “avalanche”, o Expresso SER pediu ajuda a Eduardo Moura, que é especialista nestes temas. Eduardo Moura (na foto, em baixo) é senior ESG advisor na EDP, membro do secretariado do BCSD e líder do Grupo de Trabalho de Sustentabilidade da Associação Business Roundtable Portugal. Este especialista ajudou-nos a sintetizar e a escalpelizar as novas diretivas e a detalhar as novas exigências que elas vão trazer às empresas, sobretudo às grandes, mas também às pequenas e médias empresas (PME). Em baixo seguem as explicações, em discurso direto, com “links” que ajudam a remeter para o enquadramento legal correspondente.
Diretivas de Sustentabilidade
Chamamos diretivas de sustentabilidade às três legislações que “desenham estruturalmente” o novo modelo “comportamental” das empresas.
1) Diretiva de Relato Empresarial de Sustentabilidade, CSRD na sigla inglesa (aprovada)
2) Diretiva de Due Diligence (fase final de discussão, no trílogo)
3) Taxonomia Climática (aprovada, não é uma diretiva)
Porém, há várias outras diretivas recentemente aprovadas, ou em fase de “desenho” ou de discussão, que têm diretamente a ver com sustentabilidade. Estas dirigem-se a “assuntos” mais especializados e é por isso que surgem como legislação satélite. Exemplos:
– Diretiva de Anti-corrupção e Denúncias, em vigor em todos os países membros.
– Diretiva Pay Gap, já aprovada, em fase de transposição.
– Diretiva Passaporte do Produto, em “evolução”/discussão.
Existem também outros atos legislativos que, não sendo diretivas, (estando diretamente na alçada da Comissão Europeia, muitas vezes por ato delegado) desenvolvem as estratégias europeias:
– Matérias-Primas Críticas (Critical Raw Materials: ensuring secure and sustainable supply chains for EU's green and digital future)
– Proibição de Trabalho Forçado (Forced Labor Ban)
O que há de comum nas TOP3 diretivas?
a) Foco principal. As empresas cotadas europeias, grandes empresas europeias e multinacionais estrangeiras com um volume de negócios europeu equivalente a uma “grande empresa”.
b) Princípio instrumental. As empresas são obrigadas a implementar a gestão da sustentabilidade, documentando e relatando de acordo com um padrão.
c) Penalização. As empresas são “legalmente penalizadas” por não usarem as normas de gestão, por não estruturarem a informação e por não obterem as evidências. O que é diferente de penalização por terem “resultados” ESG maus. Isso é deixado à crítica dos stakeholders (desde investidores a reguladores, media a trabalhadores) e a tudo aquilo que na legislação europeia já é matéria legal (violações ambientais, de direitos humanos, integridade e corrupção).
d) Extensão das obrigações à cadeia de valor. Ainda que a lei não se aplique diretamente a todas as empresas, as grandes empresas têm responsabilidade de verificação quando tomam decisões de compra/relacionamento, não apenas em relação às outras grandes empresas mas também às PME.
e) Cada Legislação remete para as outras.
O que é próprio de cada TOP3?
TAXONOMIA CLIMÁTICA
É um sistema de classificação climática dos gastos (contabilidade) do CAPEX e do OPEX. Na prática é a transformação do sistema voluntário “Green Bonds” para um sistema obrigatório. Cada tecnologia tem os seus códigos e desdobramentos. De comum, em síntese, temos:
1) É necessário calcular e evidenciar o efeito no CO2 de um projeto de investimento, ou na alocação de financiamento.
2) Além do CO2, é necessário demonstrar os efeitos não negativos sobre poluição, resíduos, água, recursos naturais, biodiversidade (“Do No Significant Harm”).
3) Além do anterior, é necessário demonstrar não existirem efeitos negativos sobre os direitos humanos fundamentais (legislação europeia, convenções internacionais, em especial trabalho infantil, trabalho forçado, mas não só) (“Minimum Safeguards”).
4) As empresas que são obrigadas a publicar relatório de sustentabilidade devem relatar de acordo com a taxonomia.
As entidades financeiras que aloquem recursos às empresas elaboram/solicitam relatório de acordo com a Taxonomia. Em função desses dados:
a) Determinam de que forma a proposta de cedência de liquidez corresponde à alocação estratégica de recursos financeiros definida pela União Europeia, pelo Banco Central, etc. e também aos objetivos/metas de cada entidade financeira, já que a política de remuneração está bastante ligada a essa performance.
b) Determinam a taxa de risco/oportunidade e o spread em função dos dados apurados. Tendencialmente, com o tempo, quanto maior for a pegada negativa ESG das atividades económicas maiores serão as taxas de cedência de financiamento.
DIRETIVA DE RELATO DE SUSTENTABILIDADE
É uma evolução da emenda à diretiva de relato financeiro, que vinha de 2013 (Accounting Directive). Essencialmente:
a) As empresas (grandes empresas e pequenas empresas cotadas) têm de fazer relato público, verificado por terceira parte independente, sobre todos os temas ESG, conforme standards ESRS (European Sustainability Reporting Standards / Normas Europeias para Relatórios de Sustentabilidade)
b) As ideias principais são as seguintes:
– As empresas têm de identificar todos os aspetos materiais da sua atividade. Ou seja: todos os que possam influenciar os resultados, no curto e longo prazo. Em especial têm de identificar “do que dependem” e “que impactos negativos têm sobre a sociedade e o ambiente”. Esta análise tem de ser quantificada, tanto através de métricas específicas, como é o exemplo do CO2, como através dos impactos financeiros. É um exercício ainda muito disperso, mas creio que rapidamente as consultoras irão promover um grande alinhamento metodológico. Chama-se dupla-materialidade.
– Através desta metodologia, as empresas do mesmo setor tornam-se comparáveis, gerando dados (muito útil para as empresas de Informação sobre Empresas) que podem ser utilizados quer pelos reguladores, quer pelos analistas/investidores, quer pelos media, etc.
c) O relato público obedece à “Taxonomia” e às normas constantes dos standards ESRS, que é a matéria que foi publicada em julho. Como se percebe, os temas são rigorosamente os mesmos da taxonomia e da diretiva de Due Diligence.
DIRETIVA DE DUE DILIGENCE
Esta é a diretiva que ainda não foi aprovada e que tem levantado grandes celeumas, em especial por causa dos encargos operacionais que se tornam obrigatórios para as empresas e por causa do regime de responsabilização legal dos diretores/administradores.
Porém, diretivas semelhantes já estão em vigor na Alemanha, França, Noruega…e, noutro scoping, Reino Unido, EUA, Países Baixos. Portanto, para empresas que operam internacionalmente é como se já estivesse em vigor.
O que diz a Diretiva?
a) Que as empresas precisam instalar um sistema de Due Diligence que escrutina as contrapartes quanto ao ESG. Que em função dos resultados da Due Diligence, as empresas terão de tomar medidas para evitar, mitigar ou resolver impactos negativos decorrentes da relação que querem ter ou têm com uma contraparte.
b) Que a responsabilidade do escrutínio (Due Diligence) se aplica não apenas às contrapartes diretas, mas também às entidades com as quais não há relações transacionais, que operam ao longo da cadeia de valor. Ou seja, o fornecedor, do fornecedor, do fornecedor.
c) Que as empresas formalizam as normas de due diligence e são auditadas.
Calendários e abrangência
Norma | Estado | Entrada em vigor | Abrangência |
Diretiva de Relato (CSRD) | Aprovada | Todas as que já são obrigadas, adaptam-se no relato sobre o ano de 2024. Etapas anuais para as outras. | Grandes e cotadas e financeiras |
Diretiva de Due Diligence | Por aprovar EU | 18 meses após aprovação | Grandes empresas |
Aprovada em certos países | Em vigor em certos países | ||
Taxonomia Climática (ato delegado) | Aprovada | 1 de janeiro de 2023 | Sistema financeiro |