Muito se tem falado de PROPÓSITO, nos últimos anos. E não apenas em contextos de orientação de escolhas profissionais ou de vida, como, de forma crescente, em contextos organizacionais, tendo vindo a tornar-se um tema relevante, não apenas em termos de comunicação, como também de atração e retenção de talentos, por exemplo.
Apesar de o tópico do propósito ser muito presente nas nossas vidas, desde que somos seres pensantes, na era contemporânea e, em particular, desde a grande crise financeira do subprime em 2007 - com as consequências inevitáveis que esta teve na vida do dia-a-dia das pessoas e que as levou a reequacionar prioridades e a levantar questões existenciais profundas - também no mundo das empresas se começou a falar da necessidade de reformular e repensar a lógica voraz do “shareholder capitalism”, na qual a maximização do lucro era o Santo Graal do mundo dos negócios e, para alguns, como Friedman, a única responsabilidade social de uma empresa, fosse ela pública ou privada.
Em Maio de 2014, no Harvard Business Review, Nick Craig e Scott Snook, num artigo com o título “From purpose to impact”, identificaram o surgimento de um movimento grande, nos Estados Unidos, de defesa e apologia dos chamados “Purpose-driven Businesses” dentro de um crescente número de empresas, mas também na academia, nas grandes consultoras de negócios e, até, no meio da psicologia organizacional. Este movimento, segundo os autores, teria começado em 2009, na sequência dos acontecimentos de 2007 já referidos.
Também em 2014, Aaron Hurst, fundador da Taproot Foundation, uma reconhecida organização de voluntariado corporativo norte-americana, no seu livro “Purpose Economy”, vem dizer que a chamada ‘Economia do Propósito’ emerge como a 4ª era económica da nossa história, como forma de responder às transformações radicais que o mundo tinha passado na última década e que atravessava todas as dimensões da nossa sociedade.
Larry Fink, mítico CEO da BlackRock, a maior empresa de gestão de ativos do mundo, na sua newsletter anual de 2018 aos CEO das suas empresas participadas vem, entre outra coisas, reforçar a necessidade que qualquer empresa tem - para poder atingir a prosperidade - de se preocupar não apenas com os seus resultados financeiros, mas também com a sua contribuição positiva para a sociedade e com o valor gerado para os seus stakeholders. E, dentro dos conselhos que dá, alerta expressamente para o risco que representa, para as empresas, o facto de não terem um foco no longo prazo, no seu “sentido de propósito”, nomeadamente o de não investirem nas variáveis que poderão contribuir decisivamente para a sua maior ou menor sustentabilidade, como o desenvolvimento das pessoas ou a inovação.
Ainda existe alguma divisão nas opiniões, não apenas sobre o que deve constituir o propósito de uma organização, mas também sobre a sua real importância, para o negócio. Mas já poucos duvidam da importância crescente que as partes interessadas nos negócios (clientes, colaboradores e investidores) dão ao que as organizações das quais compram produtos ou serviços, nas quais trabalham ou investem, demonstram, pela ação, ser o seu plano para acrescentar valor às sociedades nas quais se integram. E isto leva-nos à conclusão e ao desafio que fica: como desenhar o propósito de uma organização e pô-lo em prática de uma forma eficaz que não apenas comunique a razão de ser que a move, mas que também seja capaz de ser um elemento aglutinador, dentro da própria organização, facilitando processos de decisão, inspirando novas políticas ou até desenvolvimento de negócio. É algo que as empresas devem refletir e procurar as suas próprias respostas, tendo em conta o que são e para onde querem ir.
Deixo aqui 3 dicas simples para as organizações que querem trabalhar este tema e não sabem por onde começar:
1º - Avaliar o que já foi feito até hoje e perceber que valor foi criado, não só para a organização, ela mesma, mas também para os restantes stakeholders. Partir de uma análise séria ao que já está em curso, e que já constitui uma marca ou um legado, é muito mais simples e eficaz do que estar a tentar “inventar a roda”, complicando o processo. Temos alguma tendência em querer ser absolutamente únicos e inventar algo que nunca foi criado. Mas a verdade de uma marca (como a verdade de uma pessoa), só pode nascer de uma reflexão crítica, séria e, muitas vezes, ácida, sobre o valor (ou a falta dele) que criámos ao longo dos anos. É um trabalho que exige algum investimento de tempo e, por vezes, um forte investimento emocional, mas estou convencido que é a forma mais eficaz de o fazer. Até porque, se assim não for, se não fizermos esta autoanálise de consciência, corremos o risco de criar um propósito para as nossas organizações, que é desligado da nossa história e sem a coerência que o propósito exige. E, se assim for, não vamos conseguir criar uma narrativa que seja realmente compreendida e aceite, o que faz com que dificilmente seja depois assumida e posta em prática.
2º - O tema do propósito não é um tema novo. Longe disso. Muitas pessoas e muitas organizações já trilharam esse caminho. Muitos conteúdos foram produzidos à volta deste tema – artigos, estudos, podcasts, livros. Uma simples busca na internet sobre este tema mostra bem a dimensão e a importância atribuída ao tópico. Escolham pessoas que vos inspiram e vejam o que elas fizeram para conseguir chegar a um propósito que, ao mesmo tempo, as preenche como seres humanos, e as realiza nos seus trabalhos e escolhas de vida. Analisem os estudos de caso de organizações como a Patagónia, para perceberem como é que uma organização imbui no seu modelo de negócio, o propósito e a criação de valor e, com isso, faz crescer o seu negócio. Uma boa investigação e uma análise do que já é bem feito, são enormes ganhos de tempo (e dinheiro). E uma grande fonte de inspiração.
3º - Coloquem este tópico na lista de prioridades estratégicas e façam um plano de ação. E já agora, cumpram-no à risca. No fim, comuniquem com eficácia – primeiro internamente. Depois, para o mundo.
O propósito é muito mais do que algo interior que nos faz mover, com motivação, para um determinado objetivo, com um sentido de satisfação e transcendência. No caso de uma organização, é uma base de coerência e de agregação, sem a qual a navegação à vista se torna inevitável. E, num mundo onde a valorização da consciência e da sustentabilidade cresce a ritmo acelerado, não ter um propósito bem definido é, literalmente, pedir para andar à deriva e ter uma morte lenta e anunciada.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: