Percebo que falar de sustentabilidade possa ser não só difícil, pela quantidade e complexidade de temas, por si só complexos, que são abordados nestas reflexões, como até assustador. Não só pela maior ou menor gravidade dos desafios que enfrentamos enquanto sociedade global interligada e interdependente, como também pela forma dramática – na minha opinião, muitas vezes excessivamente dramática – como recebemos a informação, que não nos ajuda a resolver estes problemas.
A juntar a isso, acresce o facto de, sempre que ouvimos estas notícias e informações, acredito que muitas pessoas e organizações, ao invés de se sentirem motivadas, devem pensar – por muito que façamos, nunca se vai resolver este problema. Para quê preocupar-me? De facto, se adicionarmos à enorme dimensão dos problemas, o tom alarmista das notícias que recebemos, várias vezes ao dia, sobre as alterações climáticas, ou sobre as profundas desigualdades que ainda temos que debelar, até o mais armado dos heróis se sentirá, certamente, mais pequeno e impotente que um mosquito, numa câmara fechada repleta de inseticida.
Não quero com isto menorizar a importância de sermos informados sobre números e factos. É relevante? Sim. É importante para percebermos a urgência do tema? Claro. É fundamental partir da evidência científica para conseguir desenhar soluções eficazes? Não tenho dúvidas. Mas vamos ser honestos – sem saúde mental, sem foco e sem serenidade, não há quem consiga ter discernimento e vontade para mudar o mundo. E, se é verdade que a urgência e os problemas estão aí, também é verdade que nunca, na história da Humanidade, tivemos tantos recursos para os resolver. E também é verdade que sem a compreensão da simplicidade por trás da complexidade, e o conhecimento dos bons exemplos que por todo o mundo estão a ser dados de respostas inovadoras, tudo é mais difícil. Assim haja tempo e paciência para querer ouvir e aprender.
E é aqui que formatos como o podcast “Ser ou Não ser” e outros semelhantes, podem ter um papel fundamental. Na tentativa de simplificação dos temas, a um nível que seja mais facilmente inteligível por todos, contribuindo para a normalização destes tópicos. E, por outro lado, dando bons exemplos e inspirações para a ação, que nos façam sentir motivados e úteis, diariamente, nesta tarefa titânica de mudar o mundo. Não de uma vez, mas passo a passo. Um dia de cada vez, e à escala possível.
Como diz uma boa amiga, psicóloga especialista em temas relacionados com o medo – o medo é nosso amigo. Concordo, na medida em que nos alerta. Mas quando ele nos bloqueia, temos de o desconstruir. Vou tentar exemplificar como o medo pode facilmente surgir, pela simples leitura de notícias (o medo e a falta de vontade de ouvir falar sobre estes temas, optando por desporto, humor ou escárnio de outrem):
- Em 20 de Março deste ano, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – grupo de cientistas estabelecido pelas Nações Unidas, para monitorar e assessorar toda a ciência global relacionada às mudanças climáticas) lançou o 6º relatório de síntese sobre alterações climáticas. No relatório afirma que existem boas iniciativas em todo o Mundo, a todos os níveis (desenvolvimento de tecnologias promissoras de baixo carbono e um maior compromisso por parte de nações e de empresas), mas… não o suficiente para manter o aquecimento global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Pelo contrário, mantendo-se a situação atual, existirá um aquecimento de 2,5° C até ao final do século;
- Kaisa Kosonen, coordenadora política do Greenpeace diz, em reação ao relatório: “Esqueçam Ilhas Tropicais desertas e gerações futuras”. Mais à frente, afirma que “os Lobos estão à porta”. Para terminar com um apelo: “Há um papel para cada um”. Nos comentários ao mais recente relatório síntese do IPCC para a preparação do COP28, em Novembro, no Dubai, afirma ainda que “a nossa casa está a arder”. Não sei o que sentem, mas pessoalmente não me sinto muito motivado com estas palavras;
- CNN Brasil – título de notícia em 8 de agosto deste ano: “Mundo atinge limite pré-colapso com aquecimento global de 1,5°C em julho”;
- Em 2022, O Secretário-Geral das Nações Unidas, em Declarações ao jornal The Guardian, afirmou, antes do início da COP27: “Não há como evitar uma catástrofe se ambos não chegarem a um acordo neste sentido”, referindo-se à necessidade urgente de um acordo climático entre os países ricos e os países em desenvolvimento. E acrescentou: “Neste momento, estamos todos condenados.”
- A semana passada, na abertura da Cimeira Climática, António Guterres afirmou que a “humanidade abriu as portas do Inferno”. E acusou as empresas que tentam atrasar a transição energética.
Não questiono a verdade científica que está na base destas afirmações, apesar da constante ambiguidade e incerteza da informação que vamos recebendo de fontes diversas e igualmente fidedignas. Nem sequer a necessidade de alertar para a ação, por parte das entidades responsáveis. Tudo isso tem razão de ser. Mas, apesar de compreender os argumentos dos que dizem que o homem só aprende à força e no limite (pela negativa), continuo a acreditar na importância de inspirar pela positiva. Como?
1) Desmistificando e explicando o problema de uma forma simples – a compreensão pode diminuir o grau de angústia, e dar orientações para soluções;
2) Comunicando, de forma clara, informativa e inspiradora, o que várias pessoas, organizações e países já estão a conseguir implementar, com resultados muito positivos – não é preciso reinventar a roda;
3) Apontando menos dedos ao que está mal feito, e apoiando a construção de caminhos viáveis e implementáveis no curto prazo, dando pistas concretas, a todos e cada um dos agentes económicos.
E isto é verdade não apenas para governos e entidades com responsabilidade de supervisão. É verdade para todos nós, na forma como falamos todos os dias destes assuntos. Já todos sabemos que está tudo “quase” perdido. Ou se não sabemos, ficamos diariamente com essa sensação, só de ler ou ouvir as notícias. O que muitas vezes não sabemos bem, é o que realmente podemos fazer para mudar o estado das coisas. Pois então… digam-nos! Não pelo medo. Não pelo alimentar do pânico. Mas mostrando, de forma serena, quais os passos a dar. Mas, claro, compete-nos deixarmos de assobiar para o lado e de sacudirmos a água do capote, e ouvir. E, mais do que ouvir, fazer. Todos os dias. É como ir ao ginásio – custa, mas dá resultados.
Oiça aqui o terceiro episódio de Ser ou não ser: