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A inovação social e o quebrar de paradigmas: o exemplo de Yunus

Quando pensarem na sustentabilidade das vossas organizações e de como é que o vosso negócio pode, em simultâneo, contribuir para resolver problemas reais nas comunidades envolventes e gerar receita, pensem em pôr em causa os pressupostos básicos do vosso negócio e de se colocarem, enquanto gestores e enquanto líderes, perguntas como: e se tudo o que fazemos hoje pudesse ser feito de forma diferente?

A propósito do negócio da Banca, e pensando nos diversos modelos alternativos à Banca tradicional que têm vindo a ser criados nos últimos anos e, muito em particular, no modelo do microcrédito criado pelo Prof. Muhammad Yunus, no Bangladesh, nos anos 70 do século passado, com o lançamento do Grameen Bank (modelo de banca que se tem vindo a expandir, ao longo dos anos, com diversas variantes e adaptações), dei por mim a pensar na importância que, nos processos de Inovação Social (fundamentais para a criação da sustentabilidade no mundo corporativo, na medida em que materializam soluções mais eficazes e eficientes para problemas ambientais e sociais, contribuindo de forma muito relevante para o desenvolvimento deste novo paradigma de stakeholders’ capitalism - modelo de capitalismo que se foca na criação de valor para as diversas partes interessadas e/ou afetadas por determinado negócio e não apenas para os seus accionistas) tem a efetiva capacidade de inovar, alterando o status quo, nos pontos em que este é prejudicial para a sociedade, e não apenas uma mitigação inócua de efeitos negativos de problemas atuais ou passados.

Para que isso possa acontecer, é fundamental que os gestores pensem de uma forma realmente disruptiva e fora da caixa, que ponha em causa, não só os princípios básicos dos seus modelos de negócio, como também "regras" do mercado que convencionámos, como sociedade, aceitar como regras imutáveis ou pré-adquiridas.

No caso do Prof Yunus, e como ele próprio repetidamente afirma nas suas palestras e intervenções, a sua inspiração e metodologia para criar o modelo do microcrédito, foi pura e simplesmente a de analisar as premissas base do negócio da banca tradicional e.... fazer exatamente o contrário do que esta fazia, procurando satisfazer, desse modo, as necessidades não atendidas pela oferta existente, de segmentos de extrema pobreza da população, e acreditando que o incentivo financeiro à criação de negócios de microempreendedorismo e o fomentar de uma atitude empreendedora, em geral, seriam a chave para terminar com o ciclo de extrema pobreza. Então o que é que ele fez?

- A banca tradicional cobrava juros mais altos, o Grameen Bank praticou juros muito baixos;

- A banca tradicional exigia garantias colaterais para a concessão do financiamento, o Grameen Bank não exigiu nenhuma garantia, fomentando uma relação de confiança absoluta nos seus clientes, e na sua capacidade de pagar, no tempo, o financiamento concedido;

- O Gramen Bank apostou em focar a sua oferta apenas a mulheres, e não a homens (em resultado de estudos realizados sobre a forma como, naqueles contextos, mulheres e homens aplicavam o dinheiro e que comprovaram uma muito maior responsabilidade das mulheres na utilização desses dinheiro), quando tradicionalmente; na época, os empréstimos, na banca tradicional, eram realizados maioritariamente com homens.

Esta forma disruptiva – e, alguns diriam, extremamente arriscada - de fazer o negócio, rompendo com os princípios base do modelo dominante vigente, teve resultados que não podem ser negados:

- O modelo do microcrédito foi adoptado um pouco por todo o mundo, com diferentes versões, tendo a própria banca tradicional integrado o modelo no seu portefólio de oferta de serviços;

- O Grameen Bank já concedeu, à data de hoje, 35 biliões de dólares de empréstimos a 10 milhões de mulheres em situação de extrema pobreza;

Curiosamente, em 2008, dois anos depois de ter recebido o Prémio Nobel da Paz (exatamente em reconhecimento ao impacto que esta iniciativa teve), abriu o Grameen America, nos Estados Unidos, demonstrando que o modelo fazia sentido também para países desenvolvidos, onde muitas vezes o problema da pobreza assume contornos mais difíceis de gerir, por se tratar muitas vezes de uma pobreza oculta ou escondida. À data de hoje, o Grameen America já investiu 2,7 biliões de dólares no financiamento de 160.000 mulheres empreendedoras nos Estados Unidos.

E as iniciativas de Yunus espalharam-se em diversos setores e áreas de atuação, chegando até a parcerias estratégicas de negócio com empresas como a Danone, com o Grameen Danone, uma empresa que, no Bangladesh, produz iogurtes com os ingredientes necessários para a boa nutrição da população local e gerando também, dessa forma, o crescimento económico da região, através das oportunidades de emprego criadas.


Tudo isto porque, pura e simplesmente, Yunus questionou e desafiou princípios base de um modelo de negócio, demonstrando que o segmento daqueles que que vivem em extrema pobreza, não só são cumpridores (com uma impressionante taxa de 99% de cumprimento no pagamento dos empréstimos recebidos), como são também um segmento viável para a Banca, com a grande vantagem de contribuírem significativamente para a diminuição dos ciclos de pobreza e gerando dinâmica na economia, sobretudo (mas não só) nas economias de países em vias de desenvolvimento.

Quando pensarem na sustentabilidade das vossas organizações e de como é que o vosso negócio pode, em simultâneo, contribuir para resolver problemas reais nas comunidades envolventes e gerar receita, pensem em pôr em causa os pressupostos básicos do vosso negócio e de se colocarem, enquanto gestores e enquanto líderes, perguntas como:

- E se tudo o que fazemos hoje pudesse ser feito de forma diferente?

- Será que estamos a aplicar o modelo certo aos segmentos certos?

- Será que existe outra forma, nunca tentada, de fazermos o nosso negócio?

- Para onde é que não estamos a olhar e que pode esconder oportunidades de negócio e, simultaneamente, de impacto?

Acredito que se houver esta mudança de atitude, este trabalho permanente de exercer a capacidade de autocrítica relativamente ao que assumimos ser como é, muitas oportunidades se revelarão. O contrário - afirmar que é assim porque sempre foi assim, ou é assim porque é assim -, é o primeiro passo para uma estagnação que não ajuda nem o negócio, nem as pessoas, nem o Planeta.



Mário Henriques

Oiça aqui o segundo episódio de Ser ou não ser, com o presidente do Santander para a Europa, Pedro Castro e Almeida: