A consciência sempre se prestou a diferentes interpretações e a ascensão da Inteligência Artificial acabou por dar nova vida à velha questão num debate realizado este sábado na Fundação Champalimaud que juntou o reputado neurocientista António Damásio e o presidente do INESC Arlindo Oliveira, com a moderação de Francisco Pinto Balsemão, fundador do Expresso e líder da Impresa, e ainda a professora do Instituto Superior Técnico Ana Paiva.
É esse momento imperdível que junta alguns dos mais reconhecidos especialistas na consciência humana e na Inteligência da Máquinas que foi registado durante o Responsible AI Forum 2023 que deixamos aqui nesta página um dia depois do evento – mas com uma atualidade que possivelmente haverá de se manter por muito mais tempo, a confirmar pelas palavras de Damásio que começa logo por lembrar as “confusões” entre mente, memória profunda, e consciência ou até ambiguidade que a palavra “consciência” ainda mantém nas línguas latinas.
Para destoar da falta definições mais assertivas, o neurocientista que tem vindo a lecionar na Universidade do Sul da Califórnia, EUA, logo respondeu com uma versão que foi sendo “purificada” ao longo do tempo e que admite que possa vir a ser revista nos próximos tempos: “A consciência é igual a uma experiência sentida da vida que está localizada num organismo”
Tomada de consciência do “eu”
A frase parece remeter apenas para o senso comum, mas o neurocientista não deixa de lembrar durante o debate organizado pelo Centro da Inteligência Artificial Responsável que a consciência tem sido tratada especialmente ao nível da alta cognição pelos estudiosos quando pode, na verdade, ser bem mais complexa se for encarada como resultado dos sentidos e dos sentimentos que vão sendo produzidos, e ajudam a criar perspetivas do humano perante o mundo que o rodeia.
António Damásio descreve o processo como “maravilhoso”, ao permitir a criação da subjetividade e a tomada de consciência do “eu” devidamente localizado no mundo. “Sabemos que a mente está no nosso corpo porque sentimos o corpo, porque temos mente e correlacionamos isso com a informação extrassensorial que nos localiza no espaço”, referiu o neurocientista. “A consciência posiciona a mente num organismo específico”, acrescentou.
No debate com Arlindo Oliveira, Francisco Pinto Balsemão logo recordou que a Inteligência Artificial tem movimentado muitos dólares e euros de empresas de todos os tamanhos que procuram desenvolver novos produtos ao mesmo tempo que desenvolvem a tecnologia para o reconhecimento dos sentimentos – que ainda constituem a principal fronteira que separa autómatos e humanos.
“É interessante, e talvez um pouco preocupante, porque não sabemos se estes chatbots não vão acabar por tomar conta de tudo”, referiu o fundador do Expresso, dando o mote para aquela que é hoje a questão central do debate sobre Inteligência Artificial.
Complexidade das máquinas
Se António Damásio dissertou sobre a forma como a consciência humana se tenta estudar a si própria, Arlindo Oliveira assumiu a missão de descrever como é que as máquinas têm evoluído – ou poderão vir a evoluir num futuro próximo. “Possivelmente poderemos aproximar estes sistemas de algo parecido com a consciência”, admitiu o especialista em tecnologias da Informação que tem no currículo livros sobre Inteligência Artificial.
Além dos grandes modelos de linguagem que estão na origem de ferramentas como ChatGPT ou Bard, a Inteligência Artificial pode articular diferentes conceitos e subsistemas associados à valorização de ações corretas ou a gestão de diferentes ocorrências, entre muitas abordagens para aproximar a “consciência” proporcionada pelos algoritmos com a consciência humana. Arlindo Oliveira admite que se trata de uma consciência limitada se não tiver ao dispor um corpo como o dos humanos e outros animais, mas pelo menos poderá “tomar decisões e ser responsável por essas decisões”.
Perante a crescente complexidade das máquinas que Arlindo Oliveira antecipou para os próximos tempos, António Damásio não deixou de lembrar outra variável ainda em aberto nas regras da Inteligência Artificial: “Quem é que vai controlar essas máquinas?”.
A questão permanece em aberto – e essa é mais uma razão para rever este debate imperdível.