Saúde

Enfermeiros e médicos criticam incentivos com base em mais horas extras e apelidam plano de "conjunto de boas intenções"

Os profissionais de saúde esperavam medidas mais focadas nas condições de trabalho e na contratação de mais profissionais. Mais trabalho e mais horas extras não caíram nas boas graças das ordens e dos sindicatos dos médicos e dos enfermeiros, com exceção da Ordem dos Médicos

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Entre as medidas apresentadas esta quarta-feira para a Saúde, Ana Paula Martins, ministra com a tutela, destacou a criação de Centros de Atendimento Clínico, primeiramente em Lisboa e Porto, para atender a doentes que se deslocam às urgências sem motivos de doença que o justifique.

Também anunciou que as grávidas vão poder ligar para o SNS24 para serem reencaminhadas para os hospitais, sendo criada uma linha específica para este efeito.

E para reforçar os cuidados de saúde primários, haverá um novo concurso para contratar até 900 médicos de família, tal como feito pelo ministério anterior, que nem metade das vagas conseguiu preencher. Recorde-se que, por ano, se formam cerca de 400 novos médicos nesta área de especialização e, desses, nem todos ficam no SNS.

Médicos de família: “O trabalho extra não resolve tudo”

Ainda que grande parte das medidas os englobem, os médicos de família não foram ouvidos no processo. Quem o diz é Nuno Jacinto, presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar. E acrescenta: “No grupo de trabalho não havia médicos de família.”

Nuno Jacinto observa que, “os concursos não têm tido suficiente adesão porque as condições não chegam". E que, neste próximo concurso, “se se continuar a manter tudo, não se pode esperar algo diferente”.

“Onde estão os recursos para todas estas medidas? O governo falou muitas vezes em esgotar toda a resposta do SNS, mas a verdade é que a resposta já está esgotada em muitas das áreas. O trabalho extra não resolve tudo. As mesmas pessoas não conseguem esticar-se para todo o lado. Os dias têm horas limitadas”, alerta o dirigente e clínico.

Nuno Jacinto referia-se a outra medida também anunciada, que remete para uma “bolsa de médicos de família” que serão contratados por “algumas horas”, tal como acontece no setor privado. Esta medida está dependente da vontade dos médicos em trabalharem mais horas, sob respetivo pagamento extra.

Mas para o clínico, ela não chega, porque, mais do que benefícios em horas extras, os médicos esperavam ver as condições remuneratórias base melhoradas, bem como ter mais flexibilidade de horário, garante.

Um “conjunto de medidas vazias”

Na mesma linha de pensamento, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considera que o Plano de Emergência em Saúde, que apelida de “medidas vazias”, contém medidas temporárias que só existem porque o SNS está em rotura, mas que não se trata de uma reestruturação do setor.

Em declarações à agência Lusa, Joana Bordalo e Sá lamentou que as medidas sejam “baseadas em incentivos” que vão “criar mais desigualdades” e “desestruturação das equipas”. O que o Governo faz “é convidar a mais trabalho extraordinário e também mais trabalho precário”, disse.

A dirigente sindical comentou também o anúncio do envolvimento, no plano, dos setores privado e social afirmando que não é qualquer novidade, porque estes sempre estiveram envolvidos e já recebem muitos milhões de euros por ano.

Sindicato dos Enfermeiros: “No essencial, é mais do mesmo”

Para Guadalupe Simões, porta-voz do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), as críticas vão num mesmo sentido: “Estamos a pôr as pessoas a trabalhar mais, porque as medidas estão desenhadas à custa daqueles que já cá estão.” Ao invés disso, a dirigente sindical crê que é imperativo valorizar as carreiras para conseguir reter mais profissionais.

Especificamente acerca do atendimento às grávidas numa linha nova no SNS24, Guadalupe Simões desconfia que possa não haver enfermeiros especialistas em Saúde Materna e Obstétrica suficientes para a integrar. “Já temos carência nos blocos de parto e nos centros de saúde de norte a sul do país, pelo que, acreditando que nesse atendimento estarão enfermeiros especialistas, o trabalho vai ser feito através de horas extras – a célebre acumulação de funções dentro do SNS”, observa a enfermeira.

A porta-voz do SEP questiona-se também sobre os “custos que todas estas medidas terão para os contribuintes” e diz que “o plano, no essencial é mais do mesmo”, desde logo pelo recurso ao setor privado que, diz, “deveria ter um Portal da Transparência como tem o SNS”.

Não foi referida a palavra “Enfermeiro”

A Ordem dos Enfermeiros (OE) disse que o Plano de Emergência para a Saúde “não concretiza” qualquer medida para “a maior classe profissional da Saúde”, o que o pode “condenar ao fracasso”.

Em comunicado enviado às redações, o bastonário da OE, Luís Filipe Barreira, alertou para que não se conte com os enfermeiros para “uma vez mais, se sacrificarem a troco de muito pouco ou nada”.

“A OE espera ainda conhecer ao pormenor as 54 medidas que compõem o plano de emergência, mas já identifica problemas como a falta de recursos humanos e falta de medidas que promovam a motivação dos enfermeiros. Não é possível continuar com o discurso de que é possível fazer mais com os recursos humanos que temos e nas condições em que trabalham. É preciso mais profissionais, mas também profissionais mais motivados, que sintam que a sua mais-valia profissional é reconhecida por quem decide”, pode ler-se no comunicado.

Para a OE é “urgente avançar para um processo de contratação célere”, referindo que os dados oficiais apontam para a falta de 14 mil enfermeiros no SNS, apelando ainda à regularização de vínculos precários, por exemplo, nas Unidades Locais de Saúde, como forma de “travar a emigração” destes profissionais.

Ordem dos Médicos congratula governo por colocar a saúde como “uma prioridade”

O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) foi, das vozes da saúde, a única que teceu críticas positivas ao plano, congratulando o novo governo por priorizar a saúde e o SNS.

Acerca do plano de emergência para a saúde, Carlos Cortes revelou que tenciona tomar conhecimento com maior profundidade do documento e ver esclarecidas algumas medidas, tendo pedido já uma reunião com a ministra da Saúde para “tentar perceber melhor o plano”.

Apontou como outros pontos importantes do plano matérias que têm que ver com “uma maior atratividade do SNS”, nomeadamente para os médicos.

Carlos Cortes congratulou-se que tenha sido apresentado um conjunto de soluções para os utentes que não têm médico de família poderem ter acesso a cuidados de saúde primários.