Uma inquietude invadia Sílvia naquela húmida manhã de verão. Contra todas as expectativas, tinha dormitado uma hora ou duas, já de madrugada, assim que os corredores do internamento deixaram de emitir os sinais sonoros de um hospital que quase nunca dorme. Lá fora, no despertar do trânsito, Manuela Almeida chegou a pé de casa, a dois quarteirões dali. Pousou os pertences no gabinete, vestiu a bata e subiu ao oitavo piso, ao Serviço de Urologia, para se despedir da paciente. Ansiosa? “Um bocadinho”, respondeu-lhe Sílvia. E nem era preciso — o nervoso miudinho era denunciado pelas mãos, que vestiam e despiam repetidamente a capa do telefone.
Mas Sílvia foi direta ao assunto. “Doutora, só uma pergunta, eu posso ver o Vasco?” A médica vacilou, primeiro. Depois, saiu de volta ao primeiro piso, à nefrologia, para lhe conceder o desejo. Foram escassos os minutos de Sílvia a sós com o marido. Uma enfermeira irrompeu quarto adentro a pedir permissão para conduzir a maca para o bloco operatório. E Vasco, de mão trémula pousada sobre a cabeceira, seguiu-lhe o percurso, ciente daquele último momento em que Sílvia seria tão-só sua mulher — e não seria ainda a dadora do órgão que iniciou uma cadeia de transplantes para lhe resgatar a vida.