Existem, ainda hoje, imensos mitos associados à saúde da mulher. A pílula contracetiva é dos temas que tem mais mitos associados, mas não acaba aqui: gravidez, infeções urinárias, higienização e doenças renais são alguns dos mitos que, comumente, se espalham como o vento.
O Expresso esteve à conversa com Nádia Sepúlveda, médica de família e autora do recém publicado “Livro do Bem-Estar e Saúde da Mulher”, que ajudou a desmistificar — ou a confirmar — algumas destas ideias que vamos ouvindo de boca em boca.
1. O antibiótico corta o efeito da pílula?
É falso. "Isso só acontece se a pessoa tiver vómitos a seguir à toma do antibiótico, ou diarreia. A maior parte dos antibióticos que usamos não têm qualquer tipo de efeito na eficácia da pílula", explica Nádia Sepúlveda.
2. Tomar a pílula seguida não faz mal?
Verdade. "Não temos nenhuma evidência científica que fazer a toma contínua da pílula faça mal", declara a média de família. E acrescenta: “pode-se fazer e às vezes é opção terapêutica em pessoas que, por exemplo, sangram muito e têm anemias”.
3. Tomar a pílula durante muitos anos causa infertilidade?
Mentira. "Infelizmente há colegas mais antigos que perpetuam essas histórias, mas não, a pílula não interfere na fertilidade e a maior parte das pessoas até volta logo a ter o ciclo menstrual regular. Um a três meses depois e podem engravidar. Às vezes engravidam no mês seguinte [à paragem da toma] — cuidado."
4. A toma da pílula diminui a libido?
Impreciso. “A libido feminina é muito complexa”, começa por esclarecer a especialista, referindo que muitas vezes até estamos perante o efeito “nocebo” (o contrário do efeito placebo), ou seja, as pessoas acreditam que a libido aumenta se pararem de tomar a pílula e ela acaba mesmo por aumentar só por isso.
Contudo, Nádia Sepúlveda não desvaloriza o assunto. De acordo com os estudos mais recentes aos quais teve acesso, admite-se que em 15% das pessoas haja efetivamente esta diminuição. Por isso, “deve-se valorizar o que o utente diz e usar métodos contracetivos alternativos”, que podem passar, inclusive, por outras pílulas.
5. A pílula engorda?
Impreciso. “Nós sabemos que em média, no máximo dos máximos, seria um ou dois quilos, e não é por aí”, diz Nádia Sepúlveda. No fundo, depende de pessoa para pessoa e do medicamento que está a ser tomado: "há pílulas que retêm mais líquidos, outras que não, e também as nossas reações são muito diferentes".
6. O método contracetivo DIU ou SIU só deve ser colocado após ser mãe?
Errado. Segundo a médica, o dispositivo intrauterino (DIU) ou sistema intrauterino (SIU, comumente chamado DIU hormonal) “pode-se colocar logo numa mulher jovem, sem ter filhos nenhuns, e é um excelente método”.
7. Não se engravida quando se está a menstruar?
Impreciso. Depende muito de pessoa para pessoa, mas “grosso modo, se for um ciclo sem alterações e sem o fator da contraceção a alterar é praticamente impossível”.
Mais concretamente, “se for uma pessoa regular com o ciclo menstrual, que sabe exatamente quanto é a menstruação e está menstruada, e não houver nada fora do vulgar, é impossível engravidar”. Mas se “estivermos a falar de uma mulher que é irregular, que não sabe quando foi a ovulação e que afinal nem era menstruação, era uma hemorragia por causa da ovulação — que acontece — pode engravidar”.
Há ainda o fator da contraceção. “As pessoas confundem muito menstruação com a hemorragia de privação da pílula”, explica a médica de família. Assim, se alguém que toma a pílula combinada se esquecer de alguns comprimidos, “depois vem uma hemorragia intraciclo (que não é menstruação) e a pessoa pensa ‘ah estou a sangrar não consigo engravidar’ e aquilo era só uma hemorragia de escape, há esquecimento e engravida”.
8. Mulher saudável não aborta?
É falso. “Infelizmente, as perdas gestacionais são frequentes, podem acontecer a qualquer pessoa e a maior parte das vezes as perdas que são no primeiro trimestre têm a ver com mutações do próprio embrião”, explica a especialista, acrescentando que, “cerca de uma em cada quatro [grávidas abortam] e provavelmente este número está subestimado, pois muitas podem nem se aperceber que estavam grávidas”. Nádia Sepúlveda exemplifica com as menstruações que atrasam ou que são mais abundantes que o normal, que podem mesmo ter sido gravidezes muito iniciais.
9. Temos de lavar muito bem a zona púbica?
Não. “A verdade é que às vezes temos problemas, sensibilidade, irritações, infeções vulvovaginais e urinárias, justamente por uma higiene excessiva e sobretudo pelo uso de produtos inadequados”, repara a médica. E explica: “o corrimento é saudável, é o nosso sistema de autolimpeza vaginal, basicamente, é suposto ter o cheiro mais ácido”, pois vem de componentes protetores.
10. Urinar após a relação sexual previne infeções urinárias?
Impreciso. “Impedir não impede” começa por dizer Nádia Sepúlveda, e até é um fator difícil de controlar e os estudos sobre o tema não indicam todos o mesmo. Contudo, como esclarece a médica, "em termos fisiológicos faz algum sentido, pois empurramos com o fluxo urinário aquelas bactérias que podem começar a subir pela uretra e depois vão parar à bexiga e provocam a infeção urinária".
Resumindo, “é uma boa prática, não se perde nada” mesmo que não funcione a 100%.
11. Usar soutien causa cancro da mama?
Falso. Segundo a especialista, mesmo “numa situação limite, em que estivéssemos a usar um soutien totalmente inadequado e o aro a magoar, não há qualquer tipo de evidência que uma lesão deste género fosse aumentar o risco de ter um cancro”.
De recordar também que o cancro da mama não aparece apenas nas pessoas que nasceram com o género feminino, podendo assim afetar toda a população.
12. Apenas os homens têm pedras nos rins?
É mentira. “Em termos de prevalência, pode haver uma ligeiríssima maior prevalência [nos homens]”, contudo, tal pode dever-se apenas às diferenças de hábitos, pois, como nota Nádia Sepúlveda, “tendencialmente, as mulheres têm mais cuidado com a ingestão de água e com a alimentação”.
13. Deve-se realizar uma citologia todos os anos?
Não. Segundo a média de família, a citologia de rastreio do HPV (Papilomavírus Humano) deve ser feita de cinco em cinco anos e a citologia convencional, em que vemos as células, de três em três.
14. As dores menstruais são normais?
Impreciso. Para contextualizar, a especialista começa por explicar que há dois tipos de dismenorreia (palavra médica para dor uterina): primária e secundária. Caraterizam-se como dores menstruais primárias quando não há uma causa identificada e, muitas vezes, podem ser hereditárias. Já as dores menstruais secundárias têm uma doença associada, como endometriose, mioma ou mesmo síndrome dos ovários policísticos.
Contudo, “não é suposto ter dores menstruais”, enfatiza. Pode é não haver uma doença associada, e ‘simplesmente’ ser a causa primária e, nestes casos, tenta-se aliviar com medicação ou outras técnicas. E mesmo quem tenha esta dismenorreia primária merece ter ajuda médica e ter as suas dores valorizadas, sublinha a médica, “porque há implicações laborais e no aproveitamento escolar”.
15. Devemos usar um penso diário todos os dias?
Errado. “Quando vejo mulheres com infeções urinárias de repetição e com infeções vulvovaginais de repetição pergunto sempre se usa penso diário e muitas vezes a resposta é sim”, recorda Nádia Sepúlveda. “Não quer dizer que, por si só, provoquem [uma infeção], mas estamos ali a cobrir uma região com um material sintético que não tem interesse nenhum. Uma coisa é quando estamos menstruadas - e hoje em dia até tentamos utilizar alternativas que minimizam as infeções como o copo menstrual, disco menstrual e mesmo as cuecas menstruais reutilizáveis."
Ou seja, para as pessoas que escolhem, ainda assim, usar pensos higiénicos, que o façam apenas durante a menstruação.