Justiça

Corrupção na Madeira: os três arguidos ficam em liberdade, juiz diz que não encontrou um único indício de crimes

Juiz de instrução libertou os três detidos no caso em que se investigam as alegadas ligações perigosas entre o Governo Regional madeirense e o grupo de construção AFA. Pedro Calado, Avelino Farinha e Custódio Correia estiveram detidos durante 21 dias

Pedro Calado, ex-presidente da câmara do Funchal
Antonio Pedro Ferreira

O juiz de instrução criminal, Jorge Bernardes de Melo, libertou o ex-presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado, e os dois empresários, Avelino Farinha e Custódio Correia, que tinham sido detidos pela PJ numa mega-operação policial a 24 de janeiro. Ficaram os três em liberdade com a medida de coação mais leve, o termo de identidade e residência. Ou seja, estiveram privados de liberdade durante três semanas.

Uma fonte judicial disse ao Expresso que o juiz concluiu que não há indícios dos crimes de corrupção por parte dos três suspeitos. “Consideramos não existir nos autos um qualquer elemento probatório que permita indiciar, muito menos indiciar fortemente, a sua prática”, pode ler-se num documento judicial.

No mesmo documento, o juiz considera que “não se encontrando indiciada a prática de qualquer crime” por parte dos três arguidos, “deverão os mesmos aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de termo de identidade e residência”.

O magistrado vem assim contrariar a promoção do Ministério Público, que na última sexta-feira propôs a prisão preventiva dos três arguidos, que se encontravam detidos na cadeia anexa à Polícia Judiciária. O MP justificou a medida de coação mais gravosa com o perigo de continuação da atividade criminosa e a perturbação do inquérito caso os três arguidos ficassem em liberdade.

Advogados congratulam-se com a decisão do juiz

André Navarro de Noronha, advogado de Custódio Correia, criticou os excessos da operação da PJ durante as buscas e elogiou a decisão do juiz. “A justiça funcionou. O meu cliente ficou com enorme satisfação. O juiz fez uma análise boa, com um bom resultado e disse que não se indiciou a prática de qualquer crime. Hoje é o dia de os arguidos serem devolvidos à liberdade, às famílias.”

Raul Soares da Veiga, advogado de Avelino Farinha, também reagiu: “É a decisão mais correta. O meu cliente está muito satisfeito.” E coloca de parte a hipótese de a defesa recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mesmo tendo o seu cliente ficado detido durante três semanas: “Os portugueses podem olhar para a Justiça com confiança. Isto também é fazer Justiça. Os bons juízes não são os que condenam sempre." E lembra: “O processo está ainda no início.” E recusa dizer aos jornalistas que o Ministério Público tenha falhado neste caso. "Estar na posse de dinheiro não é crime. A origem pode não ser criminosa."

À informação da RTP, de que o MP vai recorrer da decisão do juiz, o advogado considera que esse recurso “dificilmente terá êxito”.

Paulo Sá e Cunha, advogado de Pedro Calado, afirmou: “O meu constituinte achou que por natureza política achou que deveria renunciar. São questões pessoais que não cabe ao advogado falar nelas. Sempre dissemos que havia uma total ausência de indícios. É normal que o MP vá recorrer. Depois de tanto aparato chegamos a este resultado. Lamento que os três cidadãos tivessem detidos tanto tempo. Mas esse tempo também foi necessário para a defesa.” A confiança na Justiça pode ser agora beliscada? “Nenhum político se deve sentir obrigado a demitir antes de ser acusado ou condenado. Isso é mau. É dar uma machadada brutal na presunção da inocência.” Sá e Cunha também não pensa fazer queixa no tribunal europeu. “Vamos esperar serenamente. Ainda é prematuro. Quero congratular-me muito com a decisão. É muito correta. Há uma ausência de indícios. Vou festejar aquilo que considero ser uma vitória. Para já é uma vitória das defesas.” Mas recusa-se a afirmar que seja uma derrota para o Ministério Público. E remata: “O processo como está hoje seria arquivado. Espero que o processo seja mais rápido [do que a média de oito anos de duração dos megaprocessos].”

Os três advogados revelaram ainda que os três arguidos não irão sair pela porta da frente do tribunal, onde se encontram os jornalistas.

As suspeitas do Ministério Público e da PJ

Segundo o MP, Pedro Calado, que renunciou à liderança da principal autarquia da Madeira, é suspeito de seis crimes de corrupção, enquanto Avelino Farinha de quatro e Custódio Correia de três.

Miguel Albuquerque, que também se demitiu da presidência do Governo Regional da Madeira (GRM) devido a esta investigação judicial, é igualmente alvo das suspeitas da PJ e do MP mas não foi detido.

As suspeitas do MP e da PJ remontam ao início do mandato de Albuquerque na liderança do GRM, em 2015. Mas há concursos de projetos investigados que são anteriores ao seu governo. A passagem de Pedro Calado pelo Grupo AFA, antes de se tornar vice-presidente do Governo Regional, faz aumentar as suspeitas sobre alegados favorecimentos do grupo de construção civil, o maior da Madeira, por parte destes governantes. Na mira da Justiça, estão concursos e adjudicações no valor de centenas de milhões de euros.