Quando entrou no discreto cartório notarial das Avenidas Novas, em Lisboa, João Rendeiro já era um homem condenado. O Tribunal da Relação de Lisboa tinha determinado uma pena de cinco anos e oito meses de prisão efetiva no caso das contas falsificadas para disfarçar prejuízos, e o fundador do Banco Privado Português sabia que a ida para a cadeia estava iminente. Talvez por isso tenha decidido anular um primeiro testamento, em que deixava tudo à mulher, Maria de Jesus, a herdeira universal que tem agora que lidar com um processo judicial em que é suspeita de descaminho das obras de arte arrestadas pelo Estado e que foram vendidas pelo marido ilegalmente.
Naquele dia 7 de janeiro de 2021, Rendeiro subiu até ao sétimo andar do edifício da Avenida 5 de Outubro e ditou a última vontade: Maria de Jesus continuava a herdar tudo, mas passou a haver um “mas”. No caso de a mulher com quem esteve casado mais de 50 anos “não lhe sobreviver”, ou mesmo no caso de “comoriência” (morrerem os dois ao mesmo tempo), passava a haver uma lista de herdeiros que ficariam com o dinheiro que sobrasse depois de todos os bens serem vendidos e todas as dívidas serem pagas.