Fazem parte da geração que não hesitava em dizer: “quando for grande quero ser professor na escola” e outra profissão qualquer “em casa”. Entretanto, cresceram e tornaram-se a “geração mais qualificada de sempre”. Guardam agora memórias fragmentadas do que queriam ser. Formaram-se, sobretudo, na área das ciências empresariais, administração e direito; engenharia, indústrias transformadoras e construção; e saúde e proteção social. A área da educação passou a ser das menos escolhidas.
Dos 20 aos 34 anos, mais de 348 mil jovens são licenciados, mais de 186 mil têm mestrado e cerca de cinco mil doutoramento. Além disso, há 13.073 com um curso técnico superior profissional (aos quais se juntam mais 732 jovens com idades entre os 15 e os 19 anos). No entanto, destes 554.141 que já completaram algum tipo de formação de ensino superior, são menos de 5% (23.923) os que se formaram na área da educação.
Desde dezembro que os professores estão em greve, tendo agora avançado para paralisações em todo o país. Pedem a eliminação da precariedade, a criação de um regime especial de aposentação, recuperação de tempo de serviço e vagas de acesso a dois escalões da carreira (a lista de reivindicações pode ser lida aqui com mais detalhe).
Apesar do descontentamento dos profissionais com a profissão, há ainda jovens que o escolhem ser. Mas porquê? Ana Santos, estudante do Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico e de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º Ciclo do Ensino Básico, do Instituto Politécnico de Setúbal; Marco Duarte, estudante do segundo ano do Mestrado em Ensino de Filosofia da Universidade do Minho a estagiar na Escola Secundária de Barcelos; e Vítor Costa, já a lecionar, explicam ao Expresso aquilo que os estimulou, mas também o que os desmotivou, a seguirem esta profissão.
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É um plano B
Tanto Marco Duarte como Ana Santos admitem que a carreira de professor não fez parte das suas primeiras opções. Ana Santos queria seguir Direito, mas no final do seu penúltimo ano de Ensino Secundário percebeu que as “médias eram altíssimas”, surgindo a hipótese de estudar Educação, tendo-se licenciado em Educação Básica na mesma instituição em que está a tirar Mestrado.
Já Marco Duarte, depois de tirar Filosofia ingressou pelo mundo da cultura, tendo a “vida profissional exclusivamente ligada” a esse ramo. É atualmente guitarrista de David Bruno e David&Miguel. Sente-se realizado na profissão, mas quando ficou “sem algum trabalho” na pandemia surgiu a “decisão de tirar o mestrado de Ensino de Filosofia no Ensino Secundário”.
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Opção, apesar da “reputação da carreira”
Vítor Costa, dos três entrevistados, foi o único que teve a profissão como primeira opção. Mas, ainda assim, durante a licenciatura em História na Universidade do Minho recorda-se de se ter perguntado: "Será que vale a pena ir para professor?”
“A reputação da carreira de professor nunca foi a melhor e ouvíamos sempre histórias do quão difícil era a profissão”, corrobora Marco Duarte.
Quando questionados se já foram desencorajados a seguirem a carreira, respondem imediatamente que sim. “Diretamente por algumas pessoas e, mais recentemente, indiretamente, pelas condições em que os professores contratados estão”, refere o professor de história.
Ana Santos acrescenta, quase sem pensar, que os desincentivos ocorrem “diariamente”. “As pessoas acabam por ter noção. Têm noção que somos mal pagos, que não somos respeitados”. Mas Vítor não concorda. Olha, no entanto, para as recentes manifestações como uma forma de “desenganar a sociedade em relação àquilo que a carreira docente é efetivamente”.
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A vontade de fazer a diferença
Os três jovens não ignoram os recentes acontecimentos, mas sentem que a profissão lhes permite, nas palavras de Ana Santos, “formar pequenos seres humanos”. A estudante refere que há uma frase sobre os professores que a marcou e que realça a “importância da profissão”. Apesar de não conseguir relembrar-se do autor, parafraseia: ‘Os professores conhecem melhor os seus alunos que os próprios pais’.
Vítor lembra-se de sentir que “os professores eram importantes”, davam-lhe ferramentas para “desenvolver capacidades”. Foi com esse objetivo que seguiu a profissão: ”Fui começando a sentir que um dia também gostava de poder ser essa pessoa importante para alguém”.
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Carregar esperança
As recentes greves dos professores, que esta segunda-feira contaram com uma adesão no distrito de Lisboa "superior a 90%”, são motivo de “esperança” para os que ambicionam ser professores. “Estes dias estava a ver as notícias e uma professora disse claramente: ‘Estou aqui não por mim, mas por quem vem a seguir a mim, para não passar pelo mesmo que nós passamos’”, disse Marco. Vítor espera que estes protestos terminem “com o estado de sobrevivência dos professores e da educação dos jovens”.
O guitarrista considera que esta “é uma carreira envelhecida”. Só em 2023 já se aposentaram 498 docentes. Na escola onde está a estagiar assegura que se contam “pelos dedos da mão a quantidade de professores com menos de 40 anos”.
Os três jovens não escondem que pretendem juntar-se aos professores e trazer um pouco da esperança que têm para a luta. Marco diz não ter dúvidas que os docentes “amam a área”, mas estão sem expectativas que algo mude.
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