Têm 12, 13, 14 ou 15 anos, mas no Bilhete de Identidade todos nasceram em 1992, um ano que funciona como uma espécie de livre trânsito para sair à noite e lhes dá luz verde para beberem o que quiserem. Sem chatices e sem perguntas. Aos olhos de qualquer porteiro, já têm 16.
Tudo graças à falsificação do BI, um segredo bem guardado, cuidadosamente escondido de pais, professores e autoridades, mas partilhado por quase todos os adolescentes. A alteração da data de nascimento é hoje uma prática corrente entre os miúdos, que dizem ser "superbásico" forjar o documento para poderem entrar em discotecas.
"É bué fácil e faz-se em menos de 20 minutos. Digitalizamos o BI e mudamos a data de nascimento com um programa de edição de imagem tão básico como o Paint. Depois é só imprimir e passa como uma fotocópia verdadeira. Não se nota nada", explica Luís, de 14 anos, aluno do 8º ano num conhecido colégio privado de Lisboa.
Já treinados nesta arte da falsificação, há até miúdos que fazem a impressão a cores num papel mais grosso do que o normal, cortam com uma guilhotina "para ficar mesmo direitinho" e depois plastificam como o BI real. Para o tempo que os porteiros de discoteca olham para o documento, entre filas de adolescentes desejosos de entrar, esta falsificação mais sofisticada "passa na boa".
Verdadeiro 'nerd' da informática, Luís, de cabelos pretos e uma longa franja puxada para o lado, já falsificou o BI de vários amigos. Mas deixou-se disso. "Fechei a loja. Às tantas, já eram tantos que me fartei", desabafa. No seu caso, garante só ter recorrido a esta estratégia uma vez para entrar no Garage, uma das discotecas lisboetas mais populares entre os adolescentes e onde é "quase sempre" pedido o BI à porta. Nos outros sítios, como em Santos, nunca tem problemas para entrar. "Sou alto e já mudei a voz. Mas os meus amigos que ainda não passaram pela mudança da voz têm de usar mais vezes".
Tiago tinha 13 anos quando falsificou o seu. Estava nervoso da primeira vez que mostrou a fotocópia forjada, também à porta do Garage. O porteiro deixou-o entrar, depois de uma rápida vista de olhos pelo documento.
Na barra do tribunal
A artimanha, no entanto, acabou por lhe custar caro. Nas férias do Natal, voltou a usar o bilhete falsificado para comprar cervejas num hipermercado, juntamente com um grupo de amigos. Pouco depois de saírem da caixa, já de garrafas na mão, dois agentes da PSP pediram-lhes a identificação. Tiago respondeu que não tinha, mas um dos polícias acabou por lhe retirar a carteira. Quando lhe perguntou qual era a sua data de nascimento, baralhou-se e acabou por dizer a real, tornando evidente a contradição.
Tiago enfrenta agora um processo no Tribunal de Menores. "Estou com um bocado de medo do que me vão fazer. Posso ter de cumprir várias horas de serviço comunitário, mas espero que não seja mais do que isso. Não sou nenhum delinquente", diz, convicto de que o que fez não tem nada de mais. "Para entrar nas discotecas, quase toda a gente o faz. Só na minha turma, 11 já falsificaram. E os outros também o querem fazer", garante.
Mas o argumento não serve de atenuante. O castigo dos pais vigora há cinco meses: está proibido de voltar a sair à noite até ao próximo ano, quando finalmente fará os 16.
Ao Expresso, PSP e PJ afirmam não terem dados sobre a falsificação de documentos para este objectivo. Também a Confederação Nacional de Associações de Pais mostra "total desconhecimento" destes casos, que classifica como "causadores de enorme preocupação". Só a Associação Nacional de Discotecas está ciente do fenómeno tão corriqueiro entre os jovens. "Há proprietários que já alertaram para a falsificação dos BI e discotecas que, por isso, não aceitam uma fotocópia para entrar", diz Francisco Tadeu, presidente da associação.
Maria, de 13 anos, já a usou várias vezes, sobretudo para entrar na Vaca Louca, um bar em Santos onde gosta de beber "muitos shots", de preferência "daqueles que queimam a garganta". Como todas as suas amigas, pagou 15 euros "a uns chungas que costumam parar na estação do Cais do Sodré" para a tornarem quatro anos mais velha no BI.
A aluna do 7º ano de uma escola de Oeiras começou a sair à noite aos 11 anos. Chegou a fazê-lo "todos os fins-de-semana", mas agora já não lhe apetece tanto. Quando ainda lhe dá a vontade de beber uns copos, não tem hora para acabar. "É sempre até de manhã". Aos pais, diz que vai dormir a casa de uma amiga. "Eles nunca se preocuparam muito em ligar para a mãe dela a confirmar", explica.
Muitos porteiros dos bares onde vai também não parecem muito interessados em verificar a sua idade. "Não parece que tenho 13 anos porque sou alta e tenho o peito grande. Mas ponho sempre lápis preto nos olhos, batom e base".
Para muitos adolescentes, a montagem de imagens é tão simples como o bê-a-bá. Dominam a técnica e fazem-na em poucos minutos. Para falsificar o Bilhete de Identidade, começam por digitalizar o documento. O segundo passo é procurar no número do BI ou na data de validade, por exemplo, o dígito de que precisam para alterar o ano de nascimento. Neste caso, retirou-se o 3 da validade para fazer a montagem, alterando a data de 1998 para 1993. Como o tipo de letra é igual, não se nota nada, desde que fique alinhado.
"Estamos perante um sério problema de saúde pública". É assim que o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), João Goulão, classifica a relação dos jovens com o álcool e a tendência "cada vez mais evidente e preocupante" para um consumo abusivo em idades tão precoces como os 12 ou 13 anos. "Todos os fins-de-semana há adolescentes com etilismo agudo que têm de ser levados para o hospital", alerta. O caso é particularmente grave, tendo em conta que, abaixo dos 18/20 anos, "há uma incapacidade de metabolizar o álcool que faz com que os efeitos sejam muito mais nocivos", explica o responsável. As consequências começam agora a notar-se, com o surgimento de casos de cirrose e lesões hepáticas irreversíveis em jovens com menos de 30 anos, o que revela "uma enorme sobrecarga de álcool logo na adolescência". Por isso, João Goulão é peremptório em afirmar a necessidade de restringir o acesso dos jovens a bebidas alcoólicas, reforçando a fiscalização sobre bares e discotecas e aumentando dos 16 para os 18 anos a idade legal para o consumo. Isso mesmo propôs o IDT num Plano Nacional para a Redução dos Problemas Ligados ao Álcool que já está nas mãos do Ministério da Saúde, devendo ser aprovado brevemente em Conselho de Ministros. "É fundamental alterar a lei. Em toda a UE, aliás, só Portugal e outros dois países permitem o consumo aos 16 anos", sublinhou.
Texto publicado na edição do Expresso de 23 de Maio de 2009