As experiências e as dificuldades dos alunos ciganos nas escolas são semelhantes às das crianças e jovens imigrantes, nomeadamente em termos de discriminação, revela um estudo nacional sobre trajetórias escolares dos estudantes ciganos no ensino secundário.
A constatação está presente no livro “Ciganos/Roma e educação – investigação colaborativa e práticas de coprodução de conhecimento”, que é apresentado na sexta-feira, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa. Este livro resulta de um projeto de investigação do EduCig - Desempenhos escolares entre os ciganos: investigação-ação e projeto de co-design, que procurou compreender as trajetórias escolares dos estudantes ciganos no ensino secundário.
Em declarações à agência Lusa, a coordenadora da investigação apontou que um dos pontos de partida teve a ver com “a baixa percentagem de estudantes ciganos, principalmente a partir do terceiro ciclo, mas sobretudo ao nível do ensino secundário”, que ronda os 2,6%, segundo os dados mais recentes da Direção-geral da Educação. “Apesar de todo o investimento feito em termos de políticas públicas (…), continua a haver esta grande distância [entre alunos ciganos e não ciganos], que tem obviamente a ver com desigualdades que são históricas e estruturais”, disse Manuela Mendes.
Muitos dos estudantes, acompanhados no estudo, são oriundos de famílias de baixos recursos económicos, e a maioria tem um percurso escolar marcado por retenções e absentismo.
A investigação, feita em 2021, incluiu entrevistas a alunos ciganos, além de trabalho de campo com a participação de estudantes e mediadores ciganos que iam a escolas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto participar em ‘workshops’ e partilhar a sua experiência.
A coordenadora do trabalho de investigação explicou que, nesses momentos, o objetivo era “trabalhar com os alunos temas que tinham que ver com a multiculturalidade, o diálogo intercultural, o respeito pelo outro”.
A socióloga investigadora integrada no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES) contou que “aconteceu em algumas escolas, crianças e jovens ciganos, jovens de outras origens, por exemplo, afrodescendentes, jovens brasileiros, jovens chineses, identificaram-se, em grande medida, com os testemunhos que os jovens [ciganos] que nos acompanharam apresentaram”.
Isso aconteceu tanto em relação a aspetos positivos, quer em relação a “aspetos ligados à discriminação em contexto escolar”, dando como exemplo casos de alunos que “só mais tardiamente” revelaram que eram ciganos, “quando sentiram condições de acolhimento para o fazer”.
Manuela Mendes sublinhou que “os ciganos são ainda um dos grupos mais afetados pela pobreza e pela exclusão social” e que se mantém uma “grande décalage entre aquilo que se passa entre a população cigana e a não cigana ainda hoje”.
A escola pública tem cada vez mais uma diversidade maior, pelo que importa incluir não só os jovens, mas também as famílias e os representantes das pessoas ciganas, na definição de programas e de projetos políticos. Uma recomendação que a investigadora defende que não se restrinja apenas à área da educação.
Muitos dos jovens ciganos que participaram na investigação, alguns deles ativistas, “assumem publicamente as suas pertenças em termos étnicos e culturais”, as quais podem servir como modelos de referência para outros jovens.
Por outro lado, que “a escola também tem que ser um lugar, obviamente, mais acolhedor” para as crianças e jovens ciganos e para as suas famílias, envolvendo-as “constantemente nas várias atividades”. Para isso, é necessário incentivar a participação os encarregados de educação na vida escolar e na vida social e comunitária da própria escola.
É importante a mediação intercultural, “quer na escola, quer noutros contextos”. Por exemplo, seria importante existir mediação da empregabilidade, considerando que. ao mesmo tempo, que há cada vez mais pessoas ciganas empregadas, “há outros que têm ainda muitas dificuldades em inserir-se no mercado de trabalho”.
Deveria também haver em diversos cursos universitários, sobretudo os que implicam uma intervenção com as comunidades, “uma unidade curricular de comunicação intercultural ou de interculturalidade”, onde fosse abordada a história e a cultura ciganas. Manuela Mendes propõe a formação de professores e assistentes operacionais, uma vez que são muitas vezes estas pessoas que lidam e gerem conflitos entre a escola e a comunidade cigana, sempre com a participação das famílias, já que muitas vezes também “conhecem muito superficialmente a sua própria história”.