O depoimento do piloto do helicóptero de combate a incêndios que esta sexta-feira amarou no rio Douro, com a morte de quatro militares da GNR e um desaparecido, é fundamental para esclarecer as causas do acidente. No local prosseguem as buscas, mas o perímetro ainda não foi alargado, nem colocada a hipótese de o corpo poder estar nas margens ou ter sido levado pela corrente.
O acidente ocorreu quando o helicóptero, um Ecureuil com o indicativo H16 e base em Armamar, regressava de um incêndio em Baião. De acordo com fonte do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários, a quem cabe a investigação, “o piloto, que tem uma perna partida, será ouvido o mais rapidamente possível, é um depoimento imprescindível para o esclarecimento do sucedido”.
Este inspetor do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) explica que “será o piloto em primeira mão a saber o que sucedeu, sendo certo que até ao momento não há registo de qualquer reporte de problemas durante o voo de regresso à base”.
Terá sido no regresso que o helicóptero “terá tocado nos cabos de alta tensão que atravessam o Douro, tendo em seguida tentado amarar no Douro”. No local há “diversos cabos que estão localizados no cone de saída do helicóptero e essa é a principal hipótese em estudo, que o piloto poderá esclarecer”, prossegue o investigador.
Ao Expresso a Rede Elétrica Nacional, responsável pela gestão global do sistema, refutou qualquer “embate” com os cabos de alta tensão no local, sendo certo que há outra empresa com cabos na zona. Contudo, várias fontes ouvidas pelo Expresso, entre as quais peritos que estão no local, reforçaram que “esta é uma possibilidade muito forte e que está a ser equacionada”.
Há ainda outra operação, feita quando da descolagem e aterragem dos helicópteros. “Antes de descolar, há uma inspeção feita pelo mecânico e o mesmo sucede no regresso”. Nos últimos cinco anos há registo de quatro acidentes com helicópteros ao serviço da Proteção Civil, todos resultantes de choque com linhas e cabos de alta tensão.
Há muito reclamados, por pilotos e bombeiros, os helicópteros não dispõem de equipamento específico para a deteção de obstáculos no ar, incluindo cabos de transporte de energia elétrica, que têm estado na origem de vários incidentes. Um regresso de uma “missão abortada, com o helicóptero a cair na água, a rodopiar e em seguida a submergir”, refere a citada fonte.
O piloto, tido como “experiente e capacitado” por várias fontes ouvidas pelo Expresso, cumpria os requisitos da Autoridade Nacional de Aviação Civil, com revalidação anual. Nestes requisitos estão “uma boa formação em segurança sobre a utilização dos meios aéreos no combate aos incêndios florestais e as relações pilotos e brigadas”.
O piloto deve ter um total de 700 horas de voo em helicóptero, 25 delas voadas “nos últimos 12 meses, em aeronaves de combate a incêndios”. Quando estes pilotos ultrapassam as mil horas, apenas precisam ter um mínimo de 12 horas, voadas por ano, refere a legislação em vigor.
A ANAC estabelece ainda que “os voos respeitantes à atividade de bombardeamento com água, apenas podem ser efetuados por pilotos que tenham frequentado formação prévia, a disponibilizar pelo operador aéreo onde exercem funções”.
Será também o GPIIAAF a “averiguar o treino dos militares do Grupo de Socorro da GNR, se incluíam cenários de queda, amaragem e evacuação do helicóptero”. Este treino é “obrigatório para as brigadas de combate a incêndios que viajam nos helicópteros”, explica o inspetor. Certo é que o treino dos pilotos “inclui simulações em piscina, para sair em caso de amaragem”, adianta aquele responsável.
Foi o piloto o único sobrevivente, e saiu do helicóptero antes de este submergir com os cinco militares no interior. O GPIIAAF classificou o sucedido como “acidente, verificado durante o período de operação de uma aeronave em que resultem vítimas mortais”.
É aqui que entra a questão do treino de evacuação das brigadas. O manual de emprego de meios aéreos em operações de socorro, imposto pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, explica que “os pilotos comandantes devem assegurar-se de que todos os ocupantes da aeronave recebem um briefing de segurança verbal no início de cada missão ou sempre que ocorram alterações na tripulação”.
O briefing de segurança inclui a indicação da “localização e meios para abertura das portas e saídas de emergência”, bem como “procedimentos de aterragem forçada e amaragem”. Cada helicóptero traz ainda “um machado para corte da fuselagem”, para permitir a saída dos ocupantes, esclarece o citado manual.
No caso de uma emergência em voo sobre a água, as instruções são as mesmas, sendo que não existem coletes salva-vidas nos helicópteros. Contudo, as brigadas devem “conhecer bem a operação das portas e das saídas de emergências”.
A formação, de caracter obrigatório para quem combate incêndios florestais em meios aéreos, inclui, além da extinção do fogo, “atuação com helicóptero, deslocação em brigada, orientação e procedimentos no embarque e desembarque no helicóptero”. Este combate, tem riscos segundo a Proteção Civil, entre os quais a “fase de aterragem e recuperação de água, possível colisão com obstáculo e cabos elétricos”.
No local as buscas prosseguem até às 21 horas para localizar o último corpo, mas o perímetro ainda não foi alargado ao longo do rio ou nas margens. Em estudo está a recolha dos destroços do helicóptero que, por lei, é da responsabilidade do operador ou proprietário da aeronave. Manobra que deve ser feita com acompanhamento e supervisão de investigadores do GPIAAF.
Desde 1980 que Portugal usa meios aéreos no combate de incêndios florestais.