O Tribunal de Contas (TdC) realizou uma auditoria ao sistema de gestão e controlo dos acordos de cooperação, com foco no programa Creche Feliz, e conclui, por um lado, que, entre 2019 e 2022, aumentou quase em 3% o número de crianças inscritas em creche e a despesa mais de 40%.
Por outro lado, "o Instituto da Segurança Social (ISS) desconhece o número de crianças inscritas em lista de espera, o que prejudica a formulação e avaliação de políticas públicas para a área da infância", refere o TdC.
Segundo o Tribunal de Contas, a razão para ter aumentado o número de crianças inscritas, a par do número de acordos de cooperação, tem a ver "fundamentalmente" com o aumento do valor da comparticipação pago às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e com a criação da medida "Creche Feliz", que trouxe a gratuitidade para as crianças nascidas a partir de 1 de setembro de 2021, e que se somaram às de 1.º e 2.º escalões de rendimentos.
"A despesa da Segurança Social com os 1864 acordos de cooperação celebrados com 1538 IPSS na área da creche ascendeu a 348,8 milhões de euros em 2022, mais 100,8 milhões (40,7%) do que em 2019, enquanto o número de crianças abrangidas (76.811) aumentou 2,9% (2.166)", refere o TdC.
Acrescenta que, em 2022, os 119.616 lugares em creches permitiam abranger cerca de metade (50,4%) das crianças com menos de três anos, que totalizavam 237.470, "o que revela uma melhoria de aproximadamente 3,1 pontos percentuais face a 2019".
O TdC aponta que com o alargamento da gratuitidade houve um "aumento significativo da procura da resposta e, consequentemente, das listas de espera".
"O ISS desconhece, no entanto, o número de crianças inscritas em listas de espera em creches, o que prejudica a quantificação das necessidades em termos de oferta da resposta social, a definição de objetivos para as taxas de cobertura e o controlo do cumprimento dos critérios de admissão e priorização", lê-se no relatório.
Segundo o TdC, no inicio de aplicação da medida da gratuitidade da creche, havia 20.473 crianças abrangidas, o que representava cerca de 27,2% das crianças e frequentar uma creche no âmbito dos acordos de cooperação. Em 2022, esse número subiu mais de 100%, chegando a 48.946 crianças, que representaram um custo de 40,7 milhões de euros.
Em 2023, mais 12.301 crianças passaram a beneficiar de vaga gratuita graças ao facto de a medida, que inicialmente arrancou apenas com o setor social, passar a abranger os equipamentos da rede privada e lucrativa, mas também da rede social sem acordo de cooperação, como foi o caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Modelo de financiamento deve ser repensado
A auditoria do TdC concluiu também que nem todas as IPSS apresentaram as suas contas ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, apontando que das 4.996 existentes, "só 3.885 apresentaram as suas contas".
A partir de um caso de estudo no distrito de Aveiro, os relatores verificaram porém que há discrepâncias entre o que cada instituição recebe por criança e o custo efetivo de cada uma delas, uma vez que deixou de existir qualquer comparticipação por parte dos pais como até ao momento em que foi implementado o programa Creche Feliz. Por isso recomendam ao Governo que faça alterações ao modelo atual, “no sentido de que as decisões de financiamento das respostas sociais sejam suportadas por um modelo de financiamento assente em metodologias de custeio que, diferenciando o contexto socioeconómico em que cada estabelecimento se insere, potenciem a melhoria da qualidade dos serviços prestados, a implementação de práticas que promovam a adequada gestão de recursos e, deste modo, a eficiência funcional dos prestadores e a sua sustentabilidade financeira”.