A menos de uma semana das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a organização do Arraial dos Cravos, um evento que se realizava no Largo do Carmo, em Lisboa, anunciou que a festa teve de ser cancelada “por falta de apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML)”. O arraial estava marcado para durar ao longo do dia e noite de quarta-feira, 24 de Abril.
Através das redes sociais, a página ‘Abril é Agora’, uma das promotoras, começou por declarar, no sábado, que a habitual celebração passaria do Largo do Carmo para o Largo de Camões, uns metros ao lado, devido à emissão da RTP durante todo o dia de 25 de Abril. Perdia-se algum simbolismo, mas o arraial ainda estava em pé. Foi já no domingo que o evento foi cancelado, “com tristeza”, e, esta segunda-feira, o ‘Abril é Agora’ apelou à participação das associações que tinham presença prevista para o arraial na baixa de Lisboa.
“Tomar o Carmo! Por falta de apoio da CML, o nosso Arraial não pode avançar nos moldes habituais. Apelamos a todas as organizações e coletivos comprometidos com este evento, assim como a toda a população de Lisboa, a juntar-se a nós no Largo do Carmo na noite de 24 de abril!”, afirmou-se na página.
Dina Nunes, do ‘Abril é Agora’, explicou que o único apoio pedido à autarquia, liderada por Carlos Moedas e pelo PSD, era logístico, e que a Câmara “cedia tendas para as associações e cedia um palco para os momentos musicais e culturais”. A colaboração da autarquia é considerada essencial, já que os coletivos presentes têm “muita pouca capacidade financeira”.
“O que fazem é colocar as tendas e retirá-las no dia seguinte. Foi isso que pedimos este ano e foi isso que nos foi negado”, esclareceu Dina Nunes, em declarações ao Expresso.
O ‘Abril é Agora’ contou que foi falando com várias entidades públicas para procurar a realização do arraial - primeiro, com a junta de freguesia de Santa Maria Maior, que demorou a responder; depois, com a própria autarquia, que disse que “o Largo do Carmo já estava ocupado” pela RTP e que “não seria possível coordenar as duas coisas simultaneamente”. A junta da Misericórdia foi “bastante expedita”, procurou-se a solução do Miradouro de São Pedro de Alcântara, mas também já existia uma iniciativa, sugerindo-se então o Largo de Camões. Mas sem o apoio, negado finalmente a 12 de abril, todas as alternativas acabaram frustradas.
CML diz que “é falso” que não tenha tentado ajudar
A Câmara de Lisboa, através do vereador Diogo Moura (CDS-PP), com o pelouro da Cultura, terá dito à organização que o município não conseguia apoiar o arraial “atendendo aos inúmeros pedidos já efetuados”, à data do pedido concretizado pelo ‘Abril é Agora’, a 9 de abril.
Ao Expresso, a autarquia respondeu que “a solicitação feita à autarquia incluía um pedido de apoio logístico” para um palco e cerca de 20 tendas, “apoio ao nível da higiene urbana e ao nível do som”. “À data em que este pedido deu entrada, grande parte dos meios materiais e humanos de que a CML dispõe já se encontravam comprometidos com outros eventos, agendados há vários meses e, também eles, relacionados com as comemorações do 25 de abril. Foi, portanto, comunicado à organização que só se encontravam disponíveis para cedência no dia 24 de abril um palco e uma tenda”, contou o município.
Além disso, a câmara municipal “tinha recebido um pré-aviso de greve dos trabalhadores-eletricistas, o que poderia comprometer o apoio solicitado”. Já o apoio ao nível da higiene urbana foi assegurado, nomeadamente com a cedência de contentores", acrescentou.
“É por isso falso que a CML não tenha disponibilizado ajuda ou autorização ao Arraial dos Cravos. Desde o primeiro contacto que nos disponibilizámos para contribuir para que esta iniciativa tivesse condições para se realizar. Reforçamos, no entanto, que, tal como esta, são centenas as iniciativas que estamos a apoiar para comemorar os 50 anos do 25 de abril e que se encontram previstas, organizadas e programadas há vários meses”, reiterou a autarquia
A resposta foi semelhante à reação de Carlos Moedas, presidente da Câmara, através da rede social X (agora Twitter). “É falso que a CML não apoie o Arraial dos Cravos”, disse o autarca.
A notícia de que a Câmara de Lisboa não iria apoiar o evento foi acolhido com muitas críticas nas redes sociais, especialmente à esquerda. Militantes em partidos, candidatos a eurodeputados e outros utilizadores compararam a falta de investimento da autarquia nas comemorações do 25 de Abril com o investimento feito para a Jornada Mundial da Juventude ou com festivais de música, como o Rock in Rio.
A conta oficial do Bloco de Esquerda na rede social X (agora Twitter), por exemplo, prometeu que o partido “não abdica das comemorações populares” do dia 24 de Abril e garantiu que irá marcar presença no encontro.
Dina Nunes sublinhou que “é óbvio que há uma escolha política” da parte da Câmara Municipal de Lisboa, questionando as prioridades culturais do executivo.
“É verdade que a CML é capaz de apoiar tudo quanto é festival cultural, que não tem cunho político nem tem a importância que têm as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril para a sociedade portuguesa (já nem falo das JMJ, que foi uma coisa muito maior e de outra envergadura). Mas depois é incapaz de apoiar um conjunto de associações que já conhece, que fazem uma iniciativa que é um marco importante nas comemorações do 25 de Abril, que já se faz há mais de 20 anos, e com 16 tendas e um palco é incapaz de fazer este investimento”, lamentou a representante do ‘Abril é Agora’.
O coletivo que faz parte do planeamento do arraial reiterou que, “com ou sem RTP, o Largo do Carmo vai ter muita gente” à meia-noite do dia 24 de Abril, “porque o Largo do Carmo é um sítio simbólico para estas pessoas que, há muitos anos, vão lá cantar a Grândola à meia-noite”.