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Criminalizar a desobediência civil? A maioria diz sim, mas tratamento abusivo de ativistas também preocupa Amnistia Internacional

Metade dos portugueses acha que ativistas climáticos devem ter tratamento mais severo pela lei, mas quase 70% está preocupado com discurso de ódio, violência e discriminação na polícia, conclui inquérito da Amnistia Internacional

Manifestante da Greve Climática Estudantil detido durante "visita de estudo" ao Ministério do Ambiente, tentativa de ocupação que culminou onda de protesto no final de 2023
Anadolu

A esmagadora maioria dos portugueses (82%) nunca sentiu que os seus direitos enquanto manifestante foram limitados e dois em cada três até reconhece que, em Portugal, “podemos manifestar-nos sem restrições, em comparação com muitos outros países”. Ainda assim, a Amnistia Internacional está preocupada com alguns casos de limitação do direito à manifestação e com a falta de conhecimento sobre o tema.

Os números constam de uma investigação em parceria com a Universidade Católica que é divulgada esta segunda-feira no âmbito da campanha global “Protege a Liberdade”. Desde 2023 que Amnistia Internacional está a mapear o direito da manifestação, com levantamento de alguns casos que aconteceram nos últimos anos.

“Preocupam-nos os casos de tratamento inadequado dos ativistas dentro e fora das esquadras”, diz a coordenadora da investigação, Inês Subtil. É o caso das revistas abusivas a ativistas climáticos em que asmulheres foram forçadas a despir-se ou, no caso da maratona de Cascais, em que os manifestantes foram detidos e ficaram retidos sem acesso a advogado por causa de um protesto que nunca aconteceu. É também o caso do uso de força contra jornalistas em manifestações ou do agente que deu origem ao protesto dos polícias, que foi identificado no local e a ação foi alvo de registo de ocorrência a 7 de janeiro. As identificações têm, aliás, sido prática frequente “nos últimos meses”, aponta.

A Amnistia Internacional defende que os protocolos policiais devem ser revistos para estarem em conformidade com a lei e com as normas internacionais, além dos casos serem investigados e as conclusões tornadas públicas. Mais, “deve haver uma tolerância por parte do Estado. Ou seja, o policiamento deve tolerar protestos pacíficos, ainda que disruptivos, e deve proteger os manifestantes pacíficos de contra-manifestantes. Não os deve dispersar, a menos que a perturbação seja grave e duradoura”, defende Inês Subtil. “O que temos assistido nos últimos meses é que esta tolerância não é exercida com o mesmo grau em todos os protestos.”

Efetivamente, 68% dos 1001 inquiridos considera preocupante a existência de discursos de ódio, violência e discriminação na polícia. Contudo, esta perceção do tratamento diferenciado é apenas partilhada por 37% dos inquiridos. Outros 42% discordam que este exista. “Não é por nós não termos conhecimento que estas coisas não estão a acontecer”, diz Inês Subtil.