A provedora de justiça requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da lei da morte medicamente assistida, foi divulgado esta terça-feira. É, pelo menos, o segundo pedido de verificação da inconstitucionalidade da lei: o primeiro foi apresentado por deputados do PSD em novembro.
O requerimento de Maria Lúcia Amaral, publicado no sítio na Internet do provedor de justiça, pede "a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de normas constantes da Lei n.º 22/2023, de 25 de maio, que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal".
A provedora de Justiça invoca que a legalização da eutanásia viola o nº1 do artigo 24º da Constitucional, segundo o qual “a vida humana é inviolável”, mas também o nº1 do artigo 26ª que diz o seguinte: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.”
No final da sua argumentação, a provedora faz referência a outros pedidos de verificação de constitucionalidade que já terão sido recebido pelo Tribunal Constitucional, pelo que pede que o seu pedido seja “incorporado” na apreciação dos outros que existem. Em junho o CDS-PP tinha requerido à provedora de justiça que solicitasse, junto do TC, a fiscalização sucessiva do decreto.
Os pedidos de verificação sucessiva da constitucionalidade não têm, contudo, um prazo fixado para a decisão do TC, decorrendo por vezes mais de um ano até haver uma decisão. Apenas existe prazo (de 25 dias em geral ou de 15 dias caso seja invocada urgência) nos pedidos de verificação preventiva da constitucionalidade e esse tipo de pedido só pode ser feito pelo Presidente da República ou por um quinto dos deputados eleitos (45). Os pedidos de verificação sucessiva da constitucionalidade só podem ser apresentados depois da promulgação da lei e podem ser apresentados pelo presidente do parlamento, pelo primeiro-ministro, pelo provedor de justiça, pelo procurador-geral da República e por um décimo dos deputados eleitos (23).
A lei da eutanásia foi promulgada em 16 de maio de 2023 pelo Presidente da República, mas aguarda regulamentação, depois de o Governo do PS ter decidido incluir a questão no dossiê de transição para o próximo executivo. Questionado, num dos debates para as legislativas, sobre o que fará à lei da eutanásia caso viesse a formar governo, o presidente do PSD, Luis Montenegro, disse que iria esperar por uma decisão do Tribunal Constitucional.
Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que "a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente".
Na nova lei, que altera o Código Penal, "considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O suicídio medicamente assistido é definido como a "administração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica", e a eutanásia como a "administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito".
O diploma resultou do quarto decreto aprovado pelo Parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida em determinadas condições, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter enviado o primeiro decreto para o Tribunal Constitucional, em fevereiro de 2021, vetado o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviado o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro.
Os dois envios para o TC levaram a vetos por inconstitucionalidade, sendo que em abril, perante o quarto decreto, o Presidente da República vetou-o, mas afastou dúvidas de constitucionalidade, apontando-lhe apenas "um problema de precisão" em dois pontos específicos.
Em novembro, um grupo de deputados do PSD tinha entregado no TC um pedido de fiscalização sucessiva da lei, num requerimento subscrito por 56 deputados, mais de 70% da bancada.