Sociedade

Gamers: há cada vez mais mulheres a jogar, mas caminho para a igualdade ainda é longo

League of Legends, Counter-Strike ou Valorant. Independentemente do jogo, há mais mulheres a jogar. Mas isso não as deixa em pé de igualdade. Um mau jogo para uma mulher é por vezes acompanhado de piadas machistas
Daniela Silva, Marta Nunes e Adriana Madureira

Quando entraram no mundo dos videojogos, Adriana Madureira, Daniela Silva e Marta Nunes - três jovens adultas - sentiam que eram as únicas mulheres a fazê-lo. Com o passar do tempo, começaram a transmitir os jogos online (e duas delas ainda o fazem), em diversas plataformas e redes sociais. Agora percebem que há cada vez mais mulheres a entrar — não só a jogarem, mas também na indústria.

Um começo familiar, mas “estranho”

Marta (conhecida online como MartaKitsu) e Daniela começaram a jogar por influência de familiares. Hoje jogam diariamente, Daniela fá-lo em privado, já Marta partilha a sua jornada online, através de streams (vídeos em direto a jogar na plataforma Twitch).

Daniela Silva recorda-se de viver sempre rodeada de jogos. “Desde que me lembro o meu pai sentava-se no sofá a jogar os mais diversos jogos e o meu gosto veio dele. Comecei na Playstation 2 e jogava de tudo, desde jogos de futebol a jogos do estilo mundo aberto. Depois, com o passar dos anos comecei a jogar League of Legends (LoL) com os meus amigos da escola e a partir daí nunca mais parei”, admite.

Ainda assim, apesar de para ela os jogos fazerem parte do dia a dia, no início sentia-se “estranha no meio de tantos rapazes”. A sensação de que era “diferente” aumentou quando passou a fazer streams.


Daniela Silva no "Famalicão Extreme Gaming" em 2019
DR

“Quando jogamos somos apenas um nickname, mas na stream era o meu nome verdadeiro e a minha voz que apareciam”.

Em 2015, quando começou, os comentários por quem passava no direto eram de espanto: “uau, uma miúda a jogar?”, cenário que Daniela sente que mudou. “Já ninguém faz esse tipo de perguntas porque é muito normal haver mulheres a jogarem e a fazer em stream”. Ainda assim, Daniela não esconde: “Há sempre comentários menos positivos, mas com o tempo fui ganhando um filtro para não me afetarem”.

Marta Nunes teve um começo semelhante ao de Daniela. Foi com o primo, quando tinha entre nove e dez anos, que começou a dar “os primeiros passos”. “Apresentou-me alguns joguinhos de browser como o Habbo Hotel e o Transformice” e aos 13 anos Marta também começou a jogar LoL.

E tal como Daniela, Marta sente que foi bem recebida na comunidade gaming. Ainda assim, não esconde que quando começou sentia que não existiam “tantas mulheres neste mundo”.

Já Adriana, que se apresenta online como Dryana, começou a jogar em 2011, quando deixou o país e foi para França. Na altura o objetivo era manter o contacto com Portugal. “Não era fácil estar num novo país e não falar a língua”. Em 2011, começou a jogar Counter-Strike (CS). Atualmente, está mais ligada ao Valorant, sendo streamer, caster (comentadora de e-sports) e analista.



“As mulheres não são só para estarem na cozinha”

Enquanto Daniela e Marta sentem que a comunidade gaming está a mudar, Adriana tem uma visão menos otimista. “A comunidade precisa de perceber que as mulheres não são só para estarem na cozinha”.

“As situações são iguais para todas as mulheres no mundo dos videojogos: entrar num jogo, independentemente de qual, e ouvir comentários sexistas ou a criticarem tudo só porque se é mulher”, diz Adriana, concluindo que “acaba por ser cansativo”. A solução “infelizmente” é silenciar o chat quando a equipa tem estes comportamentos.

Adriana Madureira na Red Bull Campus Clutch Portugal 2023

“Como mulher sentimos só que não podemos ter um mau jogo que somos considerados logo boosted*”.


*boosted é um termo usado entre jogadores para denominar alguém que ofereceu a sua conta a outro jogador para o fazer subir de nível

Marta também já ouviu comentários semelhantes e “pouco originais”: “vai-me fazer uma sandes” ou “vai para a cozinha”. Ainda assim, sente que “há pessoas muito fixes e que apoiam muito” e que “as coisas boas ultrapassam as más”. Contudo, Marta recorda uma “situação” mais complicada, quando um espectador da stream se tornou um perseguidor. “Infelizmente descobriu a minha morada e apareceu-me à porta de casa. Correu tudo bem e foi-se embora, mas claro que foi assustador”, conta. No entanto, Marta não relaciona o acontecimento com o mundo dos videojogos.

Marta Nunes na Lisboa Games Week em 2022

“Quando nos expomos mais na internet corremos o risco de ter aparições indesejadas ou pessoas que nos desejam mal. Mas sinto que isto podia ter acontecido a qualquer pessoa e até a alguém que pudesse estar a passar na rua.”


Apesar de ainda ouvirem comentários menos positivos, as três estão de acordo: “há cada vez mais mulheres” e, como refere Marta, “só pode melhorar a partir daqui”. É notório que há “mais inclusão e respeito, mais equipas profissionais femininas de e-sports”, diz. Adriana realça mesmo que existem “finalmente mulheres a mostrarem o talento delas”.

Daniela, ainda assim, sente que muito pode ser feito. “Não estamos em igualdade com os homens, mas isso só pode vir da mentalidade das pessoas, nomeadamente das famílias que incutem os valores nas crianças”.