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Portugal a ‘salvo’ da atual onda de calor que atinge o sul da Europa, mas a temperatura no verão deverá subir até 3 graus

Em julho, o país tem sido poupado à onda de calor extremo que atinge o sul da Europa, mas durante o verão são esperadas temperaturas “acima do normal”

Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia são os países mais afetados pela onda de calor
CRISTINA QUICLER/Getty Images

Temperaturas 10 a 15 graus Celsius acima do que é considerado normal nesta época do ano, obrigando a retirar crianças de acampamentos de férias ou a encerrar monumentos que são grandes atrações turísticas - esta é a realidade que se vive por todo o sul da Europa, da Espanha à Grécia, onde até o Partenon teve de fechar devido às temperaturas persistentes acima dos 40 graus Celsius que têm marcado o mês de julho.

Portugal tem sido poupado às ondas de calor extremo que este mês estão a atingir os seus vizinhos do sul europeu, o que tem a ver com a circulação de massas de ar no Atlântico, que aqui têm sido condicionadas por uma humidade mais elevada e temperaturas mais baixas, explica Ricardo Deus, responsável pelo departamento de Clima e Alterações Climáticas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

“Estamos neste momento a salvo da intrusão desta massa de ar que vem do norte de África e afeta o sul de Espanha, a bacia do Mediterrâneo até Itália e também a Grécia”, nota Ricardo Deus. “É uma situação particular, muito centrada na bacia do Mediterrâneo, e felizmente toda a circulação faz com que as massas de ar quente não cheguem tanto à nossa região. Esta onda de calor tem a caraterística de estar tão centrada na região oeste da Europa que não nos afeta tanto.”

Nas previsões para Portugal nos próximos dez dias, “as temperaturas vão manter-se dentro do normal”, adianta Bruno Café, do Centro de Previsão do IPMA. “Prevemos uma pequena descida na quinta e na sexta-feira (20 e 21 de julho), compensada por uma subida no sábado, mas sem grandes variações.”

Esta semana “o que temos são temperaturas de modo geral abaixo do normal, praticamente em todo o território", destaca Bruno Café, referindo que as maiores variações se preveem para Évora, Santarém ou Castelo Branco, onde as temperaturas podem atingir 31 a 33 graus.

Para a próxima semana, de 24 a 30 de julho, mantém-se a previsão de temperaturas abaixo do normal para todo o território continental, o que não quer dizer “que não se venha a gerar uma situação de aviso”, o que já ocorre, até sábado, no distrito de Faro e no sotavento algarvio, onde “as temperaturas poderão estar pontualmente acima da média”.

Verão em Portugal mais quente até três graus

O que o IPMA considera como temperatura ‘normal’ é uma base de temperaturas atingidas desde 1941, e com um período de referência entre 1971 e 2000, constatando a evidência do impacto do aquecimento global e de um “clima que está a mudar”.

“Desde há cerca de duas décadas, temos registado uma mudança persistente do tempo quente, com um maior número de ondas de calor, que são mais intensas, e também atingem zonas do território diferentes”, explicita Ricardo Deus. “As ondas de calor estão a ser mais frequentes não só na região interior norte e no Algarve, como era habitual, mas também na região centro”.

“Podemos dizer que estamos a viver num clima mais quente, e que está a mudar”, nota o responsável de Alterações Climáticas do IPMA, prevendo que “em termos mundiais, teremos um clima mais quente, e as ondas de calor tendencialmente serão mais quentes e mais intensas”. A nível de temperatura do ar, a previsão para o acumulado de julho e agosto em 2023 em Portugal “aponta para temperaturas fora do normal”.

A previsão do IPMA indica um aumento médio de temperaturas no verão entre 0,5 e 3 graus Celsius face ao que é considerado normal - o que em junho perfaz no país uma média de 19,4 graus e em julho 22,2 graus, considerando todas as variações regionais.

“Verificamos consistentemente que as temperaturas estão a ser acima do normal, quando comparamos com o período de referência de 1971 a 2000”, resume o responsável do IPMA.

Agravamento da seca, mas chuva a partir de outubro

“Nos próximos dois meses é normal que a seca se agrave”, ressalva. “Mas prevemos um nível de precipitação acima da média a partir de outubro, o que permite antever uma situação normal em termos de quantidade de precipitação, e é um bom indicador”, reitera o especialista em clima do IPMA, frisando tratar-se de “previsões”.

“Tem havido um desagravamento da situação de seca, que regrediu em todo o território, à exceção do Algarve, sendo de esperar que se agrave nos meses de julho e agosto. Quanto à probabilidade de incêndios, “este ano os valores de risco não são tão elevados como era habitual”, tendo em conta parâmetros que têm a ver não só com a temperatura, mas com a humidade do ar e o vento.

O Centro de Previsão do IPMA aponta que nos próximos dias possa ocorrer chuva fraca nas zonas do litoral norte e do centro, à semelhança dos aguaceiros que ocorreram no último fim de semana.

Recordes de calor em Espanha

Mesmo ao lado de Portugal, Espanha está a ser atingida por uma vaga de calor extremo, com temperaturas acima de 40 graus a deixarem de ser uma exceção e a tornarem-se um padrão, avança o El País.

Só nos últimos três anos, Espanha já registou quase o dobro da incidência de temperaturas máximas acima de 40 graus comparativamente com toda a década de 80.

"Em décadas passadas, falávamos de 40 graus como exceção, agora já temos 44 graus como referência, e até acima disso", salienta Javier Martín-Vide, professor de Geografia Física da Universidade de Barcelona e especialista em climatologia, citado pelo El País. “O calor extremo multiplicou-se em frequência e também em intensidade. Esse aumento de valores acima dos 40 graus é resultado direto do aquecimento global".

Jorge Guerrero/Getty

Em Espanha, também se constata que as temperaturas aumentaram no inverno, especialmente em dezembro. "A primavera e o verão chegam mais cedo, e o outono comprime o inverno, que diminui a sua presença, além de ser mais curto do que era antes”, sublinha o especialista.

O número de dias de ondas de calor aumentou em Espanha a uma taxa de três dias por década desde 1975, havendo hoje mais 12 dias de calor extremo no verão do que nos anos 80, de acordo com a agência metereológica espanhola (Aemet). Além disso, a frequência das ondas de calor duplicou face às décadas anteriores, ocorrendo já no mês de junho, o que não era habitual.

O verão de 2003 também trouxe a Espanha uma onda de calor que foi a segunda mais intensa de que há registos (a mais longa ocorreu em 2015, com duração de 26 dias), de acordo com o El País, com o efeito de elevar a mortalidade em 15%.

O que se sente este ano é que “o calor não se limita às horas de sol fala-se em noites tropicais em que os termómetros não descem abaixo dos 20 graus à noite”, descreve o jornal espanhol, referindo que “dada a ‘normalidade’ das noites tropicais, fala-se mesmo em ‘noites tórridas’, quando a temperatura não desce abaixo dos 25 graus no momento mais fresco da noite”. E estas “noites tórridas”, que nos anos 80 e 90 eram “pontuais” em Espanha, estão a tornar-se cada vez mais frequentes.

Sardenha atinge 48 graus, Atenas rodeada de incêndios

A atual vaga de calor acentuou-se em vários locais do hemisfério norte, atingindo esta terça-feira um pico de 48 graus Celsius na Sardenha (Itália), 44 graus no sul de Espanha, além de ter batido recordes nos Estados Unidos.

Na Grécia têm-se registado vários incêndios e o calor obrigou a retirar mais de mil crianças dos acampamentos de férias na zona de Loutraki, a cerca de 80 km de Atenas.

Recordes de temperatura foram atingidos também nos Estados Unidos, com destaque para o Vale da Morte, na Califórnia, um dos lugares mais quentes do planeta, onde foram registados no domingo 52 graus Celsius. Temperaturas semelhantes, de 52,2 graus, estabeleceram no mesmo dia um novo recorde na China, na região árida de Xinjiang. Entre vários outros exemplos, também o Japão emitiu alertas de calor na segunda-feira para 32 das suas 47 províncias, que estão a registar temperaturas próximas da máxima histórica de 41,1 graus.

ONU adverte que “o mundo deve preparar-se para ondas de calor mais intensas”

Os atuais fenómenos de temperaturas quentes extremas "vão continuar a intensificar-se e o mundo deve preparar-se para ondas de calor mais intensas”, alertou John Nairn, especialista da Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas, numa conferência em Genebra na terça-feira. Citado pela agência Lusa, o especialista da ONU advertiu ainda que “o recém-declarado fenómeno El Niño só vai amplificar a ocorrência e a intensidade das ondas de calor extremo”.

O combate aos combustíveis fósseis é apontado pelo responsável das Nações Unidas como o melhor caminho para tentar reverter estes efeitos das alterações climáticas, cuja principal causa está na emissão de gases com efeito de estufa, “que absorvem o calor do sol que irradia da superfície da Terra, prendem-no na atmosfera e impedem que a radiação solar seja refletida de volta para o espaço”.