“Tivemos sorte, mas estamos a pagá-la com juros”. Gilberto Arruda, dono de um restaurante com o mesmo nome junto ao porto das Lajes das Flores, está preocupado com o que vê. Desde a trágica passagem do furacão Lorenzo, que em 2019 destruiu todo o quebramar que protegia o porto principal da ilha das Flores, nos Açores, que uma tempestade não era tão dura como a que se faz sentir neste sábado e que deixou as duas mais pequenas ilhas dos Açores (Flores e Corvo) sob alerta vermelho durante todo o fim de semana.
A ondulação atingiu esta manhã mais de 10 metros de altura, mas, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, pode chegar aos 20, com a intensidade máxima de rajada de vento registada a superar os 134 quilómetros por hora. “E a maré alta só começa a partir das 13h”, nota o dono do “Arruda” em conversa telefónica com o Expresso, preocupado com o que pode vir e revoltado com a demora nas obras do porto que, sem proteção, vai continuar a deixar aquela que é a segunda mais pequena ilha do arquipélago, cada vez mais isolada. Por ordem do capitão do Porto de Santa Cruz das Flores, toda a navegação do Porto das Lajes das Flores foi encerrada esta manhã: não sai nem entra nenhum navio, nem para abastecimento.
“Se o porto já tivesse condições de abrigo as ondas não tinham este impacto todo”, continua Gilberto Arruda, que mantém o estabelecimento aberto ao público, mas que mostra preocupação com a lentidão de uma obra que arrancou em 2020 mas que continua sem ter avanços suficientes para proteger o porto da força da natureza.
As pedras de cerca de “30 toneladas” que o furacão Lorenzo deixou caídas no mar começam agora a ser arrastadas e a “entrar para dentro da baía”. Gilberto Arruda só se surpreende com o facto de, em mais de dois anos de obras, o revés não ter acontecido mais cedo: “Tivemos sorte, porque costuma haver três ou quatro tempestades destas por inverno e nos últimos anos não houve. Mas agora estamos a pagar com juros”, lamenta.
João Cabeças, capitão do Porto da Horta e das Flores, confirma ao Expresso a deslocação das pedras com a força das ondas e a preocupação generalizada com as fatídicas obras do porto que sofrem agora novo revés - mantendo a estrutura frágil à mercê do temporal. “O porto está sem abrigo, o mar entra por ali a dentro e leva pedras de grandes dimensões para dentro do cais”, diz, referindo o perigo real de pessoas serem atingidas. Daí que o porto tenha sido encerrado e que só circulem trabalhadores da empresa de construção que está a esforçar-se por fazer recuar os contentores para não serem arrastados pelo mar.
Segundo relata ao Expresso, até o edifício da administração da autoridade portuária, que ainda estava em construção, foi inundado: “Está neste momento cheio de água”, afirma. Gilberto Arruda, a uns 200 metros de distância, confirma que todas as embarcações de pescadores que estavam no porto foram retiradas com sucesso, mas o mesmo não aconteceu com duas embarcações maiores, incluindo a lancha do porto dos Açores.
O pior está para vir
Os estragos estão à vista e todos admitem que o pouco que a obra avançou “foi à vida”. Carlos Mendes, morador nas Lajes das Flores e dono da empresa turística Extremo Ocidente, que organiza viagens entre as Flores e o Corvo, desabafa isso mesmo ao Expresso, em conversa telefónica: “Essa vai ser uma obra para os filhos do meu filho”, lamenta, sem a revolta de Gilberto Arruda, mas com o tom conformado de quem sabe que a baía onde o porto das Lajes foi construído está longe de ser a mais abrigada da ilha.
O mal está feito. “Vai ser uma obra sem fim”, lamenta, elogiando a dedicação da empresa de construção que mantém lá os contentores e as gruas e que tenta recuperar o quebramar perdido. “Nos últimos invernos não houve grandes sobressaltos, mas todos sabem que este é um cenário provável de acontecer”, diz, admitindo que as obras seriam sempre lentas devido à localização e à exposição do porto ao vento sul.
O problema agora é que, se o mar já entrou pelo porto adentro, antevê-se o pior ao longo da tarde de hoje e do dia de amanha. “A meteorologia vai piorar de hoje para amanhã”, diz o skipper de alto mar, que faz há 28 anos a travessia entre as duas ilhas. A diferença é que se o vento tem vindo de sul e sudeste, afetando em cheio a baía do porto, prevê-se que o mar passe a rondar para sudoeste, fazendo o temporal mudar de direção. “As ondas vão ser de mais de 10 metros, mas o outro lado da ilha está mais habituado a essa exposição”, diz Carlos Mendes.
O capitão João Cabeças confirma isso mesmo, confiante de que a mudança para sudoeste permita um “ligeiro aliviar da pressão que o mar está a causar na infraestrutura portuária”. “Se a ondulação até agora já afetou o que afetou, se continuasse a bater no porto com a força com que vem amanhã era impossível”, corrobora Carlos Mendes.
No seu mais recente comunicado, emitido esta manhã, a delegação dos Açores do IPMA informa que, devido à depressão Efrain, com um sistema frontal associado, nas próximas horas e até domingo, está previsto "um novo aumento da intensidade do vento, com rajadas na ordem dos 120 quilómetros por hora no grupo Ocidental, que inclui as ilhas das Flores e Corvo. "No grupo Ocidental, para a agitação marítima, mantém-se a previsão de ondas que podem atingir os 10 metros de altura significativa, podendo a onda máxima atingir os 20 metros de altura", lê-se ainda no mesmo comunicado.
Tudo indica que o cenário, mesmo com algum desagravamento, se vai manter na próxima semana. O capitão do porto da Horta mantém o estado de alerta: “Na próxima semana vai haver desagravamento mas teremos ondas de 5 e 6 metros na mesma, o que não é nada bom para um porto desabrigado”. O que as obras tinham avançado, o mar levou. Agora é recomeçar do ponto de partida.