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Doente com fibrose quística tratada com vírus que matam bactérias. “Ganhei qualidade de vida”, diz Eda

Infarmed recorda que terapia com bacteriofágicos não respeita regulamentos, mas também não está interdita

Joana Azeredo, investigadora da Universidade do Minho, diz que a prática é segura

Acontece assim: um vírus agarra-se a uma bactéria e, a seguir, espeta um arpão para injetar ácido nucleico; no tempo que lhe resta de vida, esta bactéria passa a ter como única função alojar partículas virais até implodir e libertar entre 50 e 200 vírus. Nascem desta forma os vírus bacteriofágicos, num duelo fatal que se repete desde o início da vida na Terra mas que teve um desfecho bem mais animador numa terapia levada a cabo na Universidade do Minho. Eda Alves, que sofre de fibrose quística, deixou de lado os antibióticos durante alguns meses e ganhou “uma qualidade de vida imensa” com este procedimento. É provavelmente a primeira doente de infeção pulmonar crónica a ser tratada em Portugal com vírus bacteriofágicos. Ou, como se diz na gíria, fagos. “Não estava a ver outra solução. Como não havia efeitos secundários ou contraindicações, avancei”, recorda a paciente, de 18 anos.

O vilão desta história dá pelo nome de Pseudomonas aeruginosa, bactéria que se tornou especialmente severa para Eda devido aos agregados que bloqueiam a função respiratória e à resistência ganha aos antibióticos. A condição levou a jovem minhota a ser internada por mais do que uma vez para receber medicação endovenosa, mesmo após iniciar a toma de Kaftrio, o antibiótico mais sofisticado no mercado. A última crise surgiu em junho, e Eda não hesitou em solicitar uma sessão terapêutica ao Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho (CEB), que já a havia ajudado numa primeira sessão em 2021, depois de solicitada a ajuda ao Hospital Militar Rainha Astrid, que tem vindo a desenvolver terapias com bacteriofágicos à luz da legislação belga. Na memória da jovem mantém-se a recusa do Centro Hospitalar da Universidade do Porto no uso deste tipo de terapias, devido à inexistência de autorizações do Infarmed. “É quase impossível acabar com as bactérias resistentes, mas se puder fazer terapia fágica [de vírus bacteriofágicos] ciclicamente para dar qualidade de vida, mesmo que seja só por alguns meses, já justifica que fique disponível”, defende a jovem.