Sociedade

Oceanos: “Há sinais positivos, mas temos de acelerar. As tendências são alarmantes em todas as frentes”, diz cientista da ONU

Em entrevista ao Expresso, Julian Barbière faz um balanço positivo da Conferência dos Oceanos de Lisboa, mas sublinha que é necessário responsabilizar líderes políticos por promessas feitas. “Vimos muitos chefes de Estado virem cá fazer afirmações fortes e promessas. Teremos de acompanhar e ver se realmente passam à ação”

JOSEPH EID/Getty Images

No quinto e último dia da Conferência dos Oceanos de Lisboa, o tom continuou a ser de otimismo. Miguel de Serpa Soares, subsecretário-geral das Nações Unidas para Assuntos Jurídicos, considerou mesmo que a cimeira foi “um enorme sucesso”. Já Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que “a palavra desta conferência foi ação”.

Mais cauteloso, Julian Barbière reconhece os “sinais positivos”, mas sublinha que “temos de ir mais rápido” porque “as tendências são alarmantes em todas as frentes”.

Em entrevista ao Expresso, o dirigente do gabinete de Políticas Marítimas da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO e coordenador da Década do Oceano da ONU destacou alguns dos pontos-chave que têm sido trabalhados e onde se esperam resultados positivos.

Julian Barbière
ONU (D.R.)

No início da semana existia um tom de otimismo generalizado em relação a esta Conferência dos Oceanos. As expectativas foram concretizadas?
Nem tudo aconteceu tudo aqui durante esta semana necessariamente, mas penso que nos últimos meses tivemos uma visão otimista de alguns assuntos muito importantes que estão em desenvolvimento no oceano.

Por exemplo, há uma semana houve uma decisão da Organização Mundial do Comércio para reduzir e eliminar os subsídios às pescarias para [combater] o problema da sobrepesca. Esse é um aspeto positivo.

Na questão da poluição, temos uma nova convenção que vai ser desenvolvida para reduzir o plástico. Isto não é só para o oceano, mas para o ambiente em geral, só que terá um efeito no oceano.

Daqui a umas semanas vamos, se tudo correr bem, acordar um novo tratado internacional para proteger o alto mar. Trata-se de montar áreas marinhas protegidas nas águas internacionais, porque até agora não tínhamos mecanismos para o fazer. Irá provavelmente demorar mais alguns anos, mas penso que há um bom consenso para o conseguirmos.

Isso poderá também ajudar-nos a atingir um objetivo que muitos países estão a defender que é ter 30% dos oceanos protegidos até 2030. Essa é outra decisão que esperamos no final do ano, com a Convenção da Biodiversidade de Montreal.

E depois temos a ciência, que é transversal a tudo isto e um facilitador para obtermos a ação. Conseguimos algum bom investimento na Década das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável. Tivemos no início da semana a abertura da Aliança da Década do Oceano, com os Presidentes de Portugal e do Quénia, muitos chefes de Estado, filantropos e líderes do setor privado que estão assumiram o compromisso de financiar ações que desenvolvam o conhecimento que precisamos.

Assim, penso que há sinais positivos, mas claro, temos de ir muito mais rápido. As tendências são alarmantes em todas as frentes. Por isso, temos que acelerar.

Na sessão inicial, o Presidente de Portugal disse esperar que esta cimeira em Lisboa marque um ponto de viragem na abordagem aos oceanos. Pensa que será o caso?
Creio que Lisboa foi um momento muito importante para chamar a atenção dos líderes mundiais para o oceano. Não tínhamos esse momento há cinco anos e esta é apenas a segunda Conferência dos Oceanos da ONU. Antes disso nem sequer tínhamos uma conferência ou um espaço para discutir os problemas do oceano integralmente.

Penso que houve uma forte consciencialização. Vimos muitos chefes de Estado virem cá fazer afirmações fortes e promessas. Claro que teremos de acompanhar e ver se realmente passam à ação. Esse é o próximo passo e acredito que todos têm de ser responsabilizados.

Considera que há efetivamente uma demonstração de mais vontade política para passar à ação?
Penso que sim. Pelo menos tem sido afirmado como tal e estamos a ver mais investimento por parte dos países no reconhecimento de que o oceano tem de ser protegido, mas também é parte da solução.

Os ativistas presentes em Lisboa demonstraram-se particularmente apreensivos pelo caráter optativo do Tratado do Alto Mar, temendo que este não tenha a adesão necessária. Partilha desta visão?
Será um tratado juridicamente vinculativo sob a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Mas claro que a sua legalidade dependerá do número de estados-membros que o ratifiquem. Para entrar em vigor precisamos que seja assinado por 50% dos países da ONU. Esperamos que isso aconteça rápido e que não tenhamos que esperar muitos anos.