Sociedade

Manifestação em Lisboa, frente à embaixada da Federação Russa: “Queremos armas!”

Em Lisboa, frente à embaixada da Rússia, numa hora o número de manifestantes passou de cem para mais de quinhentos. Para muitos, o tempo da diplomacia terminou

Olga tem 23 anos de Portugal, e quarenta de Ucrânia, onde nasceu. A filha mais velha, e o ex-marido, que vivem no seu país de origem não são a sua maior preocupação, ainda que lhe venham as lágrimas aos olhos sempre que fala neles. É na filha mais nova, uma rapariga de 19 anos, já nascida em Portugal, que Olga pensa neste momento: Como deixá-la para trás e voltar à Ucrânia para combater? “Trabalhei na polícia, sei usar armas.” O ex-marido foi “sniper” e aos 65 anos saiu de casa para ir combater. Ela também quer ir. 

Em frente à embaixada da Federação Russa, a aparente tranquilidade que se vive durante a primeira hora da manifestação marcada para as 17 horas, esconde a vontade de combater. Para alguns dos que ali estão o tempo da diplomacia já acabou. “Putin ignorou o nosso presidente e todos os encontros que tinha marcado para esta semana”, diz Annie, uma ucraniana que ostenta um cartaz em que escreveu “Don’t (just) condemn Russia! Stop it! Stop Putin!” O marido, Mike, ao seu lado, diz que não há como evitar uma guerra, a terceira guerra mundial se for preciso: “Imagine que Espanha invadia Portugal, e o resto do mundo limitava-se a dizer “Oh, Espanha estás a ser má! Ninguém quer uma guerra, mas ela já está a acontecer, e já há pessoas a morrer por causa dela. Há um momento na vida em que temos de decidir se queremos ser felizes, estar seguros, ou viver bem com aquilo que somos. Estamos nesse ponto.” Mike até sabe de cor quais são as armas de que a Ucrânia precisa. 

As palavras de ordem começaram logo pela manhã frente à embaixada, e a meio da manhã começaram a chegar carros da polícia, e agentes que fizeram recuar a linha da aproximação dos manifestantes cerca de cinquenta metros, como é habitual sempre que há manifestações frente à embaixada da Federação Russa, onde a bandeira está hasteada. 

Por volta das quatro horas da tarde, os carros da polícia já se tinham multiplicado, ocupavam quase todos os lugares reservados à embaixada, e o número de efetivos aumentava consideravelmente. Apesar da rua não ter fechado, como aconteceu durante a visita de Putin a Portugal, houve casos de pessoas que foram abordadas por caminharem na rua, por passarem no passeio, mesmo do lado oposto da embaixada, sendo questionadas pelos agentes para onde se dirigiam. Colada ao edifício da embaixada existe a Escola Primária do Largo do Leão, pelo que por volta das cinco da tarde, a rua ganhou maior movimento, não só porque o número de manifestantes, que naquela altura andaria à volta de cem pessoas, começou a aumentar, como também devido ao movimento de final de dia de aulas na escola, com os pais a recolherem as crianças. A linha de “defesa” desenhada pela polícia terminava já na área da escola, muito perto da porta desta. 

Ao cântico do hino ucraniano e às palavras de ordem, cada vez mais fortes e mais persistentes, sobre a glória da Ucrânia, juntaram-se por vezes buzinadelas de apoio de alguns carros que passavam na rua. Mais eloquentes eram os cartazes que transformavam Putin num Hitler, acrescentando-lhe um bigodinho e várias suásticas. 

Para Victoria, 50 anos, uma das mulheres que se colocou junto ao limite estabelecido pela polícia, não há como voltar atrás. “Não somos refugiados! Temos de defender aquilo que construímos ao longo da nossa vida.” Larissa junta-se à conversa, para dizer que construiu uma casa, e que para isso passou mal, comeu mal, viveu mal, vestiu-se mal. Casou com um brasileiro e vive em Portugal, mas todo o dinheiro que ganhou a trabalhar nas limpezas gastou-o na Ucrânia: “Não queremos ficar. Queremos voltar à Ucrânia e não podemos deixar de nos defender!” 

Larissa (no centro) tem a família na Polónia. O sentimento é o de que a diplomacia já não é possível

No telemóvel, Larissa mostra a filha, cujo aniversário comemorou no dia anterior, fotografada em frente a um carro branco e a um ramo de rosas vermelhas que o marido lhe ofereceu. Tem duas filhas no país, e não quer desistir. A família está junto à fronteira com a Polónia, como acontece com as outras mulheres que ostentam cartazes. O apelo para aquelas mulheres já não é à paz, mas à guerra, porque nenhuma delas dormiu esta noite, e nenhuma delas acredita que Putin é capaz de recuar ou que a diplomacia ainda é possível. Uma convicção que está presente até nos mais jovens, como é o caso da Jessica, de 19 anos, que nasceu de mãe russa e pai português: “Tenho nacionalidade portuguesa, e não sei como explicar isto, mas eu sou ucraniana, patriota ucraniana. Como cidadã portuguesa não posso combater pela Ucrânia, mas eu quero ir para a Ucrânia combater!” Pergunto se fala a sério e se o faz pela mãe que está ao seu lado. “Sim, e pelas minhas irmãs que lá vivem e pelo meu sobrinho de cinco anos.”