Sociedade

Queda do BES: prescrições já foram invocadas por três arguidos mesmo antes de adiamento de Ivo Rosa

Morais Pires e Isabel Almeida, braços-direitos do ramo financeiro de Salgado, já invocavam, na abertura de instrução, que não podiam ser condenados por ter passado demasiado tempo desde os alegados crimes. Ministério Público também admite que há crimes a prescrever

Ricardo Salgado. Foto: Getty Images

A possível ida a julgamento de Ricardo Salgado por crimes como associação criminosa e burla foi adiada por pelo menos um mês. Ivo Rosa colocou baixa e atrasou a instrução do processo-crime conhecido por Universo Espírito Santo, que tem origem em 2014. Sete anos e meio depois, pelo menos três dos 30 arguidos apontam para a prescrição de vários crimes – alguns deles cometidos em co-autoria com Salgado.

Amílcar Morais Pires, Isabel Almeida e Paulo Jorge são os três acusados pelo Ministério Público que, nos respetivos requerimentos de abertura de instrução, consideram que há prescrição em alguns dos crimes que lhes são imputados. Eles são elencados precisamente pelo juiz de instrução Ivo Rosa, quando arrancou com esta fase facultativa dos processos, em que os acusados pelo Ministério Público pedem que um juiz avalie se há mesmo factualidade para seguirem para julgamento.

Ex-CFO quer anular corrupção

Morais Pires, o antigo administrador financeiro (CFO) do Banco Espírito Santo (BES), braço-direito de Salgado e que chegou a ser apontado como seu sucessor (travado pelo Banco de Portugal), invoca a prescrição do procedimento criminal no que diz respeito à corrupção no sector privado. Está acusado de corrupção passiva, por recebimentos indevidos.

A corrupção é um dos crimes que também são imputados a Ricardo Salgado (por 12 vezes, embora corrupção ativa), mas, no seu requerimento de abertura de instrução, a prescrição não é um dos argumentos para não ir a julgamento. Aliás, a sua defesa não apontou neste caso para as prescrições, mas já o fez noutros casos – por exemplo, no processo resultante de uma das condenações do Banco de Portugal relativo a regras de prevenção do branqueamento de capitais, que chegou agora ao Tribunal Constitucional, como noticiado pelo Expresso.

Amílcar Morais Pires também aponta para a “caducidade do direito de queixa quanto ao crime de infidelidade”, crimes que comete em co-autoria com outros arguidos, como Salgado, e que terão sido postos em prática, segundo o Ministério Público, pelo menos entre dezembro de 2010 e julho de 2014. Em causa estão as colocações de papel comercial ou as operações que abriram um buraco no banco.

Falsificação de documentos para Ongoing

Isabel Almeida, que dirigia o departamento financeiro do BES (que estava na alçada de Morais Pires), também aponta para a extinção de tal direito de queixa quando ao crime de infidelidade. A antiga diretora, que chegou a ser indicada para administradora (na equipa que teria Morais Pires como presidente executivo), também requer a prescrição do procedimento criminal no que diz respeito não só à infidelidade, mas também aos crimes de falsificação de documento.

No caso da falsificação, está mais uma vez em causa um crime em co-autoria que envolve Isabel Almeida, Morais Pires e Ricardo Salgado, entre outros, que terá sido cometido entre 2001 e 14 de abril de 2014, que envolve um valor de 258 milhões de euros para a Espírito Santo Enterprises e 1.330 milhões para a Ongoing, de acordo com os cálculos do Ministério Público.

É também um crime de falsificação de documento que, pela prescrição, é contestado por Paulo Nacif Jorge, outro dos arguidos do caso.

A prescrição é sempre uma das preocupações em processos de elevada complexidade e foi, aliás, um dos argumentos para deixar cair crimes na Operação Marquês, nomeadamente os relativos a corrupção.

65 crimes a Salgado, 15 em risco

Ao todo, há 30 arguidos, a quem são imputados um total de 361 crimes. A Ricardo Salgado, o principal arguido, o Ministério Público aponta 65 crimes, incluindo associação criminosa, burla, manipulação de mercado, falsificação, entre outros.

A revista Sábado contou, há dias, que o próprio Ministério Público admite que há já crimes que estão a prescrever, 15 dos 65 apontados a Salgado, 40 na totalidade dos arguidos, precisamente falsificação de documentos e infidelidade.

A instrução, fase em que Ivo Rosa irá decidir se há motivos para os arguidos irem a julgamento, foi aberta, mas, devido à baixa por motivos de saúde, só a 29 de março terá novas sessões. São 30 arguidos, sendo que as audiências servirão, em parte, para ouvir testemunhas (e só Salgado apontou 82 nomes, que o juiz de instrução só quer ouvir se forem fundamentais).