Sociedade

PS mantém Portugal como paraíso fiscal para criptomoedas

BE e Livre à esquerda, e PSD e IL à direita, falam na necessidade de regular e cobrar IRS. PS quer concertação europeia

Nos últimos anos Portugal tem sido vendido como um paraíso para os investidores em criptomoedas e, dependendo dos resultados eleitorais, assim poderá continuar durante anos. À direita e à esquerda há partidos a defenderem a necessidade de começar a cobrar impostos sobre estes ganhos, nalguns casos milionários, mas a posição não é consensual. Para os socialistas, por exemplo, só faz sentido avançar com tributação de forma concertada, a nível europeu.

Correndo os programas eleitorais dos nove partidos com assento parlamentar, há quatro que, de forma mais ou menos detalhada, abordam o fenómeno dos criptoativos. O Bloco de Esquerda e a Iniciativa Liberal são os mais exaustivos, falando em geral da falta de regulação e de estabilidade destes produtos, dos riscos que eles comportam, e do facto de não pagarem impostos. O Livre e o PSD são mais comedidos e, para os sociais-democratas, é mesmo o último parágrafo com que fecham o programa eleitoral. Mas todos os partidos têm em comum três coisas: reconheceram importância ao tema e dedicaram-lhe espaço no programa eleitoral; falam da ausência de regulação; e falam da necessidade de se criar um quadro de tributação adequado e estável. Citando diretamente, o PSD diz que é preciso “um novo sistema regulatório para os criptoativos, nomeadamente as criptomoedas, com a respetiva tributação em sede de IRS e de IRC”. O BE propõe a “criação de um sistema de reporte obrigatório dos montantes detidos em criptomoedas, bem como de todas as transações efetuadas e a tributação das mais-valias, até agora isentas”. A IL quer “assegurar que as bolsas de criptomoedas são reguladas” e que têm uma “tributação adequada, contribuindo para uma maior estabilidade para os investidores”. E o Livre defende “uma taxa sobre a detenção de criptomoedas acima dos €5000, tornando obrigatória a declaração anual do património”

Já os restantes partidos — PS, CDU, PAN, CDS e Chega — passam ao lado do assunto no programa eleitoral.

Lisboa, Berlim, La Valeta: três criptoparaísos fiscais

Portugal é, historicamente, um país conservador na política fiscal, mas, nos últimos anos, ganhou notoriedade pelo seu arrojo em dois regimes: o dos residentes não habituais, que atraía reformados estrangeiros para cá a imposto zero (um regime entretanto reformulado); e a não sujeição a tributação de ganhos com criptomoedas (neste caso mais por inação do que por política ativa).

A sustentar a popularidade de Portugal como “paraíso” para os investidores nesta área está o facto de a não tributação estar escorada por um parecer da Autoridade Tributária (AT), que confere maior segurança jurídica. Segundo o Fisco, os rendimentos que decorrem da venda de criptomoedas não podem ser qualificados como mais-valias nem como incrementos patrimoniais, pelo que estão fora do IRS e, para mudar isto, é preciso uma alteração legislativa.

No último ano, o Ministério das Finanças pediu ao Centro de Estudos Fiscais (CEF) que estudasse o assunto, mas, embora reconhecendo a necessidade de se avançar nesta área, para já, a posição do PS é manter tudo como está. António Mendonça Mendes, que tem representado os socialistas em debates sobre o programa económico (ver página 15) e é secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, diz ao Expresso que é preciso que Governo, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Banco de Portugal e Autoridade Tributária trabalhem de forma articulada “no sentido de acompanhar periodicamente o mercado dos criptoativos e a sua evolução, bem como estudar a eventual tributação destas realidades”. Contudo, para passar do estudo à ação é preciso esperar por uma posição europeia, até porque “a eficácia de qualquer modelo regulatório que se projete terá a sua eficácia dependente da adoção de uma estratégia comunitária comum”.

Esperar por uma posição comum no seio comunitário pode significar anos em banho-maria até haver um consenso, até porque na Europa já há regimes distintos a funcionar. Em Espanha, as mais-valias relacionadas com criptomoedas são tributáveis por escalões que vão dos 19% aos 26%. Em França, a 30% se as transações ultrapassarem os €305 anuais. Na Alemanha, estão isentas as mais-valias inferiores a €600 anuais, ou se as criptomoedas forem vendidas após um ano de detenção. Malta adota uma abordagem semelhante à portuguesa: só há lugar a tributação se as transações forem feitas em contexto empresarial, isentando os investidores de imposto. É por isso que Berlim, La Valeta e Lisboa são encaradas junto das comunidades ‘cripto’ como capitais-paraíso no que toca a fiscalidade.

Muitos outros regimes fiscais estão em vigor entre os países da União Europeia. Na sua maioria preveem tributações sobre as mais-valias de transações cripto e pagamentos em sede de IVA, com alguns já a regular inclusive os impostos que a atividade mineradora deve pagar (uma área que, cá, está a ser estudada pela AT).

Montanha-russa

Desde a criação do bitcoin em 2008, emergiram ao longo da última década diversas criptomoedas. Todas com base na tecnologia proposta pelo criador, ou criadores, do bitcoin: a cadeia de blocos, ou blockchain, um registo digital e descentralizado de transações. É um sistema que procura legitimação e massa crítica, e vai-as conseguindo através da validação de entidades oficiais (como os reguladores dos diferentes Estados) e da entrada de novos participantes, com a criação de instituições como criptobancos, entidades custodiárias, corretoras e gestoras de risco e compliance.

Os anos de pandemia viram uma entrada em grande dos chamados investidores institucionais (fundos, banca de investimento) e o retalho (particulares). A mineração de bitcoin, por sua vez, já consome quantidades massivas de energia devido à capacidade computacional exigida nesta fase para criar uma nova moeda. Contudo, quem minera fá-lo com margens significativas, mesmo contabilizando o custo crescente da eletricidade e a queda recente dos preços do bitcoin.

Apesar das perdas nos últimos três meses nas cripto (ver gráfico), quem adquiriu bitcoin ou ethereum há um ano e as manteve até agora ficou, ainda assim, a lucrar 16% e 92%, respetivamente.