Em todo o mundo ocidental, se uma pessoa está deprimida ou ansiosa e vai ao seu médico, porque simplesmente já não pode mais aguentar, provavelmente ouvirá uma história.
Aconteceu com quase todas as pessoas que já acompanhei nos meus quase 15 anos de experiência clínica, e continua a acontecer com muitas pessoas que chegam até mim.
O seu médico diz que o seu organismo não está a produzir as substâncias químicas necessárias para que o seu cérebro funcione bem, então passa-lhe remédios para resolver isso.
A maioria das pessoas segue essa estratégia com toda a devoção, por décadas muitas vezes, pois desejavam alívio. Os remédios davam-lhes uma breve animada, mas a dor voltava logo e eles iam aumentando as doses.
Muitos cientistas conceituados acreditam que a ideia de que a depressão é causada por um cérebro “quimicamente desequilibrado” está errada. E o que eu tenho vindo a observar, de facto, em tantas e tantas caminhadas, é que esta ideia não é suficiente para fazer alguém sair da depressão. Como cientista que sou, muito curiosa e investigadora de todas estas questões, o que percebo é que precisamos expandir o leque de opções para as pessoas com depressão e ansiedade.
Eu tenho vindo a descobrir que, na verdade, existem nove causas principais de depressão e ansiedade que estão a revelar-se ao nosso redor. Duas são biológicas e sete estão no mundo externo, ao invés de estarem dentro das nossas cabeças, como alguns médicos sentenciam de pronto.
As causas são todas bem diferentes e exercem papéis em diferentes níveis na vida de pessoas com depressão e ansiedade. E quando, há alguns anos, trabalhei na Direcção-Geral da Saúde fiquei ainda mais impressionada ao descobrir que esta não era uma posição isolada: a Organização Mundial da Saúde tem alertado que precisamos começar a lidar com as causas mais profundas da depressão.
Na minha prática clínica, em consultório, o que eu vejo é que uma das razões para muitas pessoas se terem agarrado durante anos a fio à ideia de que as suas depressões eram “apenas” o resultado de algo errado com os seus cérebros, era para não terem que pensar sobre isso.
Se formos analisar os dados dos estudos epidemiológicos acerca das possíveis causas da depressão ou ansiedade, e olhando para os números que são reunidos, podemos ter uma certeza. Os traumas de infância fizeram com que o risco de depressão ou ansiedade na fase adulta explodisse.
Se eu tivesse dito às pessoas o que o seu médico lhes disse – que os seus cérebros estavam “errados” e por isso estavam tão angustiados, e que a única solução era tomar remédios – talvez eles nunca tivessem entendido as verdadeiras causas dos seus problemas e talvez nunca se tivessem tratado efectivamente, e com isso conseguido transformar positivamente as suas vidas.
Quanto mais investigo a depressão e a ansiedade, mais descubro que, mais do que serem causadas por um mal-funcionamento espontâneo do cérebro, a depressão e a ansiedade são na maioria das vezes causados por eventos nas nossas vidas.
Então, por hoje, fica aqui o meu alerta:
– Se você acha que o seu trabalho não significa nada e sente que não tem nenhum controlo sobre ele, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você está isolado(a) e sente que não pode confiar nas pessoas ao redor para o(a) ajudar, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você pensa que a vida é apenas comprar coisas e avançar degraus, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você acha que o seu futuro será inseguro, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você é mulher saiba que está aparente e “naturalmente” mais predisposta a sofrer de depressão (de acordo com a Organização Mundial da Saúde, que demonstrou através de alguns estudos que a prevalência de episódios depressivos no género feminino é quase o dobro dos do género masculino), em especial, as mulheres inseridas em ambientes e situações nos quais sofrem com as disparidades entre homens e mulheres e com todas as formas de desigualdades de género (no mercado de trabalho, na educação, na política, na família e com as diversas formas de violência nos relacionamentos).
Eu tenho encontrado uma infinidade de evidências científicas de que a depressão e a ansiedade não são causadas na nossa cabeça, mas pela forma como muitos de nós estão a viver ou pela forma como fomos criados.
Sim, existem factores biológicos reais, como os seus genes, que podem fazer com que você seja significativamente mais sensível a essas causas, mas não são os principais condutores.
E todas estas coisas levam-me à evidência científica de que precisamos tentar solucionar as nossas crises de depressão e de ansiedade de uma forma muito diferente (além de remédios antidepressivos, que obviamente, e em certas situações, devem ser opções a considerar).
Para fazer isso, precisamos parar de ver a depressão e a ansiedade como patologias irracionais, ou uma “válvula de escape” esquisita do cérebro. Elas são terrivelmente dolorosas – mas fazem sentido.
A sua dor não é um espasmo irracional. É uma reacção ao que está a acontecer consigo. Para lidar com a depressão, você precisa lidar com as suas causas implícitas.
Na minha jornada profissional de quase década e meia, aprendi sobre os sete tipos diferentes de antidepressivos – que são para revelar as causas, ao invés de simplesmente atenuar os sintomas. Livrar-se da culpa é apenas o começo. E o resto, uma boa psicoterapia seguramente consegue ajudar a decifrar.
Vivemos tempos duros. Tão utópicos quanto distópicos. E corremos o risco de cada vez mais se banalizar a ideia de que “os problemas de saúde mental são comuns”. São comuns? Sim, é certo, mas e porquê? Até entendo a intenção por detrás desta frase, mas às vezes corremos o risco de, mesmo não querendo, contribuirmos por estigmatizar os problemas, rotulá-los, categorizá-los em caixinhas e criar algum tipo de barreira ao verdadeiro diálogo e compreensão. Naquilo que se começa a generalizar, a banalizar, de alguma forma a “normalizar”, nas entrelinhas podemos receber a mensagem de que “todas as pessoas têm problemas de saúde mental e OK, vivam com isso ou tentem superar (para não dizer apenas “soprar”, caindo nos extremos superficialistas das soluções à "Dr. Google" de que o “inspirar” e o “expirar” parecem ser hoje as soluções para tudo). Certamente que não sou contra respirar (bem pelo contrário), mas por vezes percebo a superficialidade destes discursos, e até mesmo do que é a saúde mental quando problematizada “apenas” como uma questão individual (e individualizante), sem atender – também – a todos os seus contextos.
A saúde mental não é algo circunscrito aos limites do próprio indivíduo, mesmo até porque a experiência individual dos sujeitos é sempre feita (e explicada) a partir da realidade partilhada, sem a deslocar do seu enquadramento social.
Aconteceu com quase todas as pessoas que já acompanhei nos meus quase 15 anos de experiência clínica, e continua a acontecer com muitas pessoas que chegam até mim.
O seu médico diz que o seu organismo não está a produzir as substâncias químicas necessárias para que o seu cérebro funcione bem, então passa-lhe remédios para resolver isso.
A maioria das pessoas segue essa estratégia com toda a devoção, por décadas muitas vezes, pois desejavam alívio. Os remédios davam-lhes uma breve animada, mas a dor voltava logo e eles iam aumentando as doses.
Muitos cientistas conceituados acreditam que a ideia de que a depressão é causada por um cérebro “quimicamente desequilibrado” está errada. E o que eu tenho vindo a observar, de facto, em tantas e tantas caminhadas, é que esta ideia não é suficiente para fazer alguém sair da depressão. Como cientista que sou, muito curiosa e investigadora de todas estas questões, o que percebo é que precisamos expandir o leque de opções para as pessoas com depressão e ansiedade.
Eu tenho vindo a descobrir que, na verdade, existem nove causas principais de depressão e ansiedade que estão a revelar-se ao nosso redor. Duas são biológicas e sete estão no mundo externo, ao invés de estarem dentro das nossas cabeças, como alguns médicos sentenciam de pronto.
As causas são todas bem diferentes e exercem papéis em diferentes níveis na vida de pessoas com depressão e ansiedade. E quando, há alguns anos, trabalhei na Direcção-Geral da Saúde fiquei ainda mais impressionada ao descobrir que esta não era uma posição isolada: a Organização Mundial da Saúde tem alertado que precisamos começar a lidar com as causas mais profundas da depressão.
Na minha prática clínica, em consultório, o que eu vejo é que uma das razões para muitas pessoas se terem agarrado durante anos a fio à ideia de que as suas depressões eram “apenas” o resultado de algo errado com os seus cérebros, era para não terem que pensar sobre isso.
Se formos analisar os dados dos estudos epidemiológicos acerca das possíveis causas da depressão ou ansiedade, e olhando para os números que são reunidos, podemos ter uma certeza. Os traumas de infância fizeram com que o risco de depressão ou ansiedade na fase adulta explodisse.
Se eu tivesse dito às pessoas o que o seu médico lhes disse – que os seus cérebros estavam “errados” e por isso estavam tão angustiados, e que a única solução era tomar remédios – talvez eles nunca tivessem entendido as verdadeiras causas dos seus problemas e talvez nunca se tivessem tratado efectivamente, e com isso conseguido transformar positivamente as suas vidas.
Quanto mais investigo a depressão e a ansiedade, mais descubro que, mais do que serem causadas por um mal-funcionamento espontâneo do cérebro, a depressão e a ansiedade são na maioria das vezes causados por eventos nas nossas vidas.
Então, por hoje, fica aqui o meu alerta:
– Se você acha que o seu trabalho não significa nada e sente que não tem nenhum controlo sobre ele, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você está isolado(a) e sente que não pode confiar nas pessoas ao redor para o(a) ajudar, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você pensa que a vida é apenas comprar coisas e avançar degraus, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você acha que o seu futuro será inseguro, você tem grande hipótese de ficar deprimido(a).
– Se você é mulher saiba que está aparente e “naturalmente” mais predisposta a sofrer de depressão (de acordo com a Organização Mundial da Saúde, que demonstrou através de alguns estudos que a prevalência de episódios depressivos no género feminino é quase o dobro dos do género masculino), em especial, as mulheres inseridas em ambientes e situações nos quais sofrem com as disparidades entre homens e mulheres e com todas as formas de desigualdades de género (no mercado de trabalho, na educação, na política, na família e com as diversas formas de violência nos relacionamentos).
Eu tenho encontrado uma infinidade de evidências científicas de que a depressão e a ansiedade não são causadas na nossa cabeça, mas pela forma como muitos de nós estão a viver ou pela forma como fomos criados.
Sim, existem factores biológicos reais, como os seus genes, que podem fazer com que você seja significativamente mais sensível a essas causas, mas não são os principais condutores.
E todas estas coisas levam-me à evidência científica de que precisamos tentar solucionar as nossas crises de depressão e de ansiedade de uma forma muito diferente (além de remédios antidepressivos, que obviamente, e em certas situações, devem ser opções a considerar).
Para fazer isso, precisamos parar de ver a depressão e a ansiedade como patologias irracionais, ou uma “válvula de escape” esquisita do cérebro. Elas são terrivelmente dolorosas – mas fazem sentido.
A sua dor não é um espasmo irracional. É uma reacção ao que está a acontecer consigo. Para lidar com a depressão, você precisa lidar com as suas causas implícitas.
Na minha jornada profissional de quase década e meia, aprendi sobre os sete tipos diferentes de antidepressivos – que são para revelar as causas, ao invés de simplesmente atenuar os sintomas. Livrar-se da culpa é apenas o começo. E o resto, uma boa psicoterapia seguramente consegue ajudar a decifrar.
Vivemos tempos duros. Tão utópicos quanto distópicos. E corremos o risco de cada vez mais se banalizar a ideia de que “os problemas de saúde mental são comuns”. São comuns? Sim, é certo, mas e porquê? Até entendo a intenção por detrás desta frase, mas às vezes corremos o risco de, mesmo não querendo, contribuirmos por estigmatizar os problemas, rotulá-los, categorizá-los em caixinhas e criar algum tipo de barreira ao verdadeiro diálogo e compreensão. Naquilo que se começa a generalizar, a banalizar, de alguma forma a “normalizar”, nas entrelinhas podemos receber a mensagem de que “todas as pessoas têm problemas de saúde mental e OK, vivam com isso ou tentem superar (para não dizer apenas “soprar”, caindo nos extremos superficialistas das soluções à "Dr. Google" de que o “inspirar” e o “expirar” parecem ser hoje as soluções para tudo). Certamente que não sou contra respirar (bem pelo contrário), mas por vezes percebo a superficialidade destes discursos, e até mesmo do que é a saúde mental quando problematizada “apenas” como uma questão individual (e individualizante), sem atender – também – a todos os seus contextos.
A saúde mental não é algo circunscrito aos limites do próprio indivíduo, mesmo até porque a experiência individual dos sujeitos é sempre feita (e explicada) a partir da realidade partilhada, sem a deslocar do seu enquadramento social.
Com toda a certeza, a pandemia que estamos a viver irá passar, mas a herança que ela irá deixar na saúde mental da população mundial merece-nos desde já os estudos e a atenção de todos. Uma experiência tão prolongada de medo, incertezas e perdas tão significativas, gerarão a curto e longo prazos demandas desafiadoras na saúde mental das populações ao redor do globo. E cuidar dessa dimensão da nossa vida é – tanto individual como colectivamente – mais do que essencial para sobrevivermos a estes momentos.
– Você sabe identificar quais são os factores stressores no seu dia-a-dia durante este período, que têm prejudicado a sua saúde mental?
– O que é que você tem feito para cuidar da sua saúde mental, como preciosidade que ela é?
– E a nível governamental, com que grau de compromisso, de facto, temos podido contar? Portugal dispõe de um Plano Nacional de Saúde Mental, considerado adequado e actual, de forma consensual, porém ainda à espera de ser implementado.
É que para além dos efeitos directos da pandemia e do seu impacto imediato na vida de todos nós, quando se fala permanentemente das dificuldades económicas e sociais associadas a períodos de crise, na verdade, é sobre a saúde mental de uma sociedade que estamos (ou deveríamos) falar.
Não são os números, são as pessoas que fazem o país andar. E cuidar da saúde mental, essa instância importantíssima que nos mantém vivos, operantes e conscientes é, portanto, crucial para o progresso e o benefício comum que se desejaria para todos.
Têm sido tempos de muito luto, de muita perda, de muito medo, de muita tensão. Sem querer demonizar o uso de medicamentos, nem quem encontra alívio no seu uso, não podemos negar que eles dão conta de tratar as “consequências” de determinado tipo de vivências.
Precisamos fomentar uma cultura e uma sociedade cada vez mais capazes de não somente “remediar” os problemas mas também (e, diria mesmo, sobretudo) considerar as causas sociais sistémicas que fazem com que vivamos sempre à procura de remediar sem tratar, no ímpeto de querer sempre “mudança” sem “mudar”.
Em resumo, quando as pessoas estão a comportar-se de maneiras aparentemente auto-destrutivas, é hora de parar de perguntar o que há de errado com elas, e em vez disso, é hora de começar a perguntar o que é que está a acontecer com elas.