Sociedade

“É uma má decisão.” Advogados que pediram libertação da mãe que abandonou o bebé ainda não foram notificados

Supremo Tribunal negou a libertação de Sara e o grupo de advogados que fez o pedido de 'habeas corpus' criticou a decisão: o Estado “vai continuar a falhar ao encarcerar esta pobre quase adolescente no ambiente cruel da prisão de Tires”

A mãe do recém-nascido abandonado num ecoponto vivia na tenta da esquerda, perto de um quiosque abandonado junto ao Terminal de Santa Apolónia
DR

“É uma má decisão do ponto de vista jurídico. É uma má decisão do ponto vista social. É uma má decisão para a justiça”, defende Varela de Matos, um dos advogados que avançou o pedido de 'habeas corpus' para a libertação de Sara Furtado, a mulher 22 anos que abandonou o filho no caixote do lixo. Numa publicação no Facebook - da mesma forma como anunciou que iria apresentar o pedido ao Supremo Tribunal de Justiça -, Varela de Matos garante que ainda não foi notificado da decisão.

“O objetivo número 1 está alcançado: chamar à atenção para este caso de gritante injustiça, chamar a atenção para as condições miseráveis em que vivem centenas e centenas de homens e mulheres nas grandes cidades”, escreveu depois de ter recebido um e-mail com a decisão do Supremo de um remetente não identificado. “Não se trata de desculpabilizar quem praticou o ato. Trata-se de lutar por justiça, por uma mulher que não tem consciência do ato que praticou, no momento em que o praticou”, acrescenta.

O advogado sublinha ainda que esta decisão é a prova que o “Estado punitivo avançou com mão dura” e que “o Estado assistencial falhou redondamente”. “E vai continuar a falhar ao encarcerar esta pobre quase adolescente no ambiente cruel da prisão de Tires. Expondo-a a riscos e perigos desnecessários.” À semelhança do que já fizera aquando do pedido, reafirmou: “não existe nenhuma tentativa de homicídio”.

“E nós continuaremos a bater-nos, porque não caímos na defesa dos direitos humanos agora de pára-quedas.” À Renascença, Varela de Matos não pôs de parte a possibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional. “Vamos ponderar todas as possibilidades, da mesma forma desinteressada que atuámos, tomando esta iniciativa, neste caso. Continuaremos a pugnar para que se faça justiça, perante uma decisão judicial que, no caso concreto choca a consciência – não dos juristas, mas de qualquer pessoa”, disse em entrevista ao programa “Em Nome da Lei”, que é transmitido este sábado.

Já à agência Lusa, o advogado lamentou ter sabido da rejeição do Supremo pelos jornalistas. “O que estamos a estudar neste momento é como é que há 30 jornalistas em Portugal que têm a sentença do ‘habeas corpus’ e os requerentes ainda nem sequer sabem formalmente que ela existe.”

O tribunal demorou pouco mais de dois dias - tinha um prazo máximo de oito - para decidir se Sara, a mãe do bebé, era ou não libertada. Ao contrário do desejo dos advogados (a Varela de Matos juntam-se Dino Barbosa e Filipe Duarte), que não fazem parte da defesa e apresentaram o pedido apenas na condição de cidadãos, a mulher vai continuar no estabelecimento prisional de Tires, onde está detida numa cela isolada das restantes presidiárias.

O Supremo justificou a decisão com o facto “de a arguida de forma premeditada, ocultando a gravidez e munindo-se de um saco de plástico para o efeito, ter depositado o filho acabado de nascer num caixote de lixo na via pública”. Além disso, afirmam os juízes, a jovem esteve sempre acompanhada do namorado, “com quem mantém um relacionamento amoroso há cerca de quatro meses”, e do qual escondeu a gravidez e as dores de parto. Apercebendo-se que a jovem “estava em sofrimento”, prosseguem os juízes, o namorado “por diversas vezes a questionou se se encontrava bem e se pretendia ir ao médico, respondendo sempre a arguida que se tratava de uma indisposição e que logo ficaria bem”.

O documento com os fundamentos para a rejeição, a que o Expresso teve acesso, lembra ainda que “o bebé estava desnudo, gelado, com o cordão umbilical irregularmente cortado e coberto de sangue”. Para os juízes conselheiros do STJ, estes atos correspondem “à prática do crime de homicídio na forma tentada” e não ao crime de exposição ou abandono que os advogados alegavam no pedido de 'habeas corpus'. Também por se tratar de um caso de infanticídio, com outra moldura penal, “é determinante a perturbação pós-parto, que não é o caso”, prossegue o documento, porque o comportamento da mãe “indicia a sua premeditação na prática dos factos”.

Foi nesta quarta-feira que os advogados Varela de Matos, Dino Barbosa e Filipe Duarte entregaram o pedido ao Supremo, considerando que o ato cometido pela mulher “foi mal qualificado”, uma vez que “não se trata de uma tentativa de homicídio”, mas de um caso de “exposição ou abandono”. Assim sendo, de acordo com o Código Penal, este crime não admite prisão preventiva e, em caso de condenação, Sara enfrentaria uma pena de prisão máxima de cinco anos.

A decisão do juiz de a indiciar por tentativa de homicídio qualificado, porém, levou-a ao Estabelecimento Prisional de Tires, ao ser aplicada a prisão preventiva, a medida de coação mais gravosa. “Soubemos da prisão na sexta-feira, reunimo-nos e trabalhámos durante o fim de semana inteiro nisto. É um trabalho de 12 pessoas comprometidas com os direitos humanos”, dizia ao Expresso Varela de Matos após a entrega do 'habeas corpus', que se baseia ainda na crença de que a mãe que abandonou o bebé não teria meios nem constituiria perigo em nenhum dos fundamentos que levam à prisão preventiva (a continuação da atividade criminosa, o perigo de fuga, a perturbação do inquérito e o perigo de perturbação da ordem pública).

“Parece-me evidente que, nas condições em que se encontra esta pessoa, tanto em termos psíquicos como financeiros, nada disto está em causa”, completou o advogado. “Não queremos que [Sara] seja condecorada. Só queremos que tenha uma medida de coação justa. Esta prisão é ilegal.”