José Sócrates usou um raciocínio simples para explicar a acusação de que foi corrompido pelo Grupo Lena para conseguir uma obra na Venezuela. O Ministério Público diz que foi ele o destinatário final de uma transferência de 1,2 milhões de euros entre Joaquim Barroca, administrador do grupo e Carlos Santos Silva, gestor da Lena. A transferência foi feita em 2007, mas só em 2008 o Grupo Lena foi numa visita de Sócrates à Venezuela. Para Sócrates "não faz sentido" que fosse corrompido um anos antes, quando ainda nem havia um plano ou uma ideia sequer de uma obra na Venezuela. E mesmo depois, Sócrates "nem fazia ideia" de que o Grupo Lena fazia parte da comitiva que foi à Venezuela. O ex-PM diz que nunca falou com Santos Silva sobre isso e que enquanto esteve no Governo "passava meses" sem falar com o amigo de infância. A reaproximação só se terá dado depois de sair do Governo, garantiu Sócrates.
Depois de ter usado um gráfico em papel que levou para a sala de audiências para demonstrar que o Grupo Lena não foi favorecido enquanto esteve no Governo e que até foi o primeiro-ministro que lhe sucedeu, Passos Coelho, a adjudicar mais obras ao conglomerado de empresas de Leiria, Sócrates começou a ser confrontado pelo juiz Ivo Rosa com as relações financeiras com Carlos Santos Silva.
Seguindo sempre o guião da acusação, Ivo Rosa confrontou Sócrates com os pagamentos feitos por uma empresa de Santos Silva, a XLM, a Sofia Fava, ex-mulher e mãe dos dois filhos do principal arguido da Operação Marquês. Sócrates negou ter tido qualquer influência nestes pagamentos e garantiu que foi a ex-mulher quem negociou com Santos Silva um contrato de trabalho. É engenheira do Ambiente, Santos Silva tem empresas, foi tudo "natural". O MP diz que os cinco mil euros pagos por mês a Sofia Fava eram, na verdade, uma maneira de Sócrates ajudar a mulher. Todas as acusações do MP são "uma injúria" e "uma infâmia".
O ex-primeiro-ministro admitiu perante o juiz que foi Carlos Santos Silva a pagar as despesas da família com os arrendamentos de apartamentos em Paris. Um empréstimo que, garantiu, começou a pagar quando foi libertado depois de passar mais de dez meses em prisão preventiva.
Acusação diz que Sócrates foi determinante para o sucesso do Grupo Lena
"A atuação do arguido José Sócrates, nos anos em que ocupava o cargo de primeiro-ministro, foi determinante na negociação e adjudicação desta obra ao Grupo Lena", diz a acusação assinada por Rosário Teixeira, procurador do DCIAP que investigou José Sócrates, pelo menos, desde 2004.
A grande obra que está em causa – Gran Mission Vivienda Venezuela – chegou a representar 42% do volume de negócios do Grupo Lena, contribuindo de "forma decisiva para a própria sustentabilidade do grupo", garante Rosário Teixeira.
A acusação diz que Sócrates favoreceu o Grupo Lena nos negócios na Venezuela e ainda na adjudicação do TGV e nas obras do Parque Escolar. Os procuradores argumentam que o principal arguido da Operação Marquês assumiu um papel decisivo nos anos seguintes através da sua influência junto de decisores venezuelanos, no sentido de garantir pagamentos decorrentes da obra, a favor do Grupo Lena.
Para a acusação, José Sócrates “aceitou utilizar o seu cargo como primeiro-ministro” e as relações privilegiadas com o Governo venezuelano então chefiado por Hugo Chávez “em benefício do Grupo Lena, a troco do recebimento de vantagens patrimoniais a que bem sabia não ter direito”, tendo-se “socorrido de colaboradores que lhe eram próximos e da sua confiança, a fim de, segundo as suas indicações, prestarem o específico apoio ao Grupo Lena” naquela missão. O preço, segundo o MP, foram seis milhões de euros pagos pelo grupo que terão passado pelas contas do administrador Joaquim Barroca e de Carlos Santos Silva antes de chegar a José Sócrates.
O dinheiro que Santos Silva lhe entregou será o tema do quatro dia de interrogatório o último e porventura o mais difícil para Sócrates.