Sociedade

A era da supremacia dos computadores quânticos já chegou

Google realizou cálculo em 200 segundos que num supercomputador convencional demoraria 10 mil anos. Ou seriam dois dias?

DR

A polémica está instalada, mas a chamada supremacia quântica foi alcançada pela primeira vez. A Google anunciou nesta quarta-feira que desenvolveu um computador quântico que executa uma tarefa que nenhum computador convencional consegue. O seu chip Sycamore realizou em 200 segundos (3 minutos e 20 segundos) um cálculo “que o supercomputador mais avançado do Mundo levaria 10 mil anos a concluir”, revela a empresa. Mas o blogue da concorrente IBM Research contrapõe que “uma simulação ideal da mesma tarefa pode ser realizada num computador clássico em 2,5 dias e com muito maior fidelidade”, esclarecendo que “esta é uma estimativa conservadora, porque esperamos que com refinamentos adicionais o tempo de uma simulação convencional possa ser reduzido ainda mais”. Afinal, em que ficamos?

“Há aqui uma guerra de marketing, mas o que interessa é a ciência”, afirma ao Expresso o investigador português Yasser Omar, que lidera o Grupo de Física da Informação e Tecnologias Quânticas do Instituto de Telecomunicações, no Instituto Superior Técnico (IST). “É possível que a IBM tenha razão”, admite o professor do Departamento de Matemática do IST, “só que podemos perguntar por que razão a IBM não fez a mesma experiência, pois o que manda na ciência são as provas experimentais”. A forma como a Google apresentou os resultados do seu teste “é mais espetacular, mas continua a ser um marco histórico e está claramente demonstrado que o computador quântico é rápido”. Só que a Google “estudou apenas problemas matemáticos com interesse meramente académico, sem aplicação prática na vida real”. Identificar novas aplicações é, assim, o próximo desafio.

Um computador quântico baseia-se nas propriedades da mecânica quântica e processa qubits ou bits quânticos, que podem estar no estado zero e um ao mesmo tempo, ao contrário dos bits convencionais. Resolve, assim, problemas muito difíceis ou mesmo impossíveis de resolver pelos computadores clássicos como, por exemplo, desenhar melhores baterias, descobrir de que forma as moléculas podem ser usadas para produzir medicamentos mais eficazes ou minimizar as emissões de gases poluidores no fabrico de fertilizantes. O Sycamore é o maior processador universal, com 54 qubits, embora um tenha avariado na experiência da Google, que foi descrita num artigo publicado na revista “Nature” e assinado por 77 cientistas.

IST estuda colisões de partículas do CERN

Os supercomputadores convencionais estão a atingir o seu limite de capacidade para lidar com enormes quantidades de dados. É por isso que o grupo dirigido por Yasser Omar lidera o QuantHEP, um novo projeto europeu, pioneiro a nível mundial, que pretende investigar o potencial da computação quântica para simular e analisar as experiências de colisões de partículas do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, a que Portugal pertence) em Genebra, na Suíça, onde é necessário tratar e armazenar uma gigantesca quantidade de dados. O investigador do Técnico diz que “o CERN tem os desafios computacionais mais difíceis do mundo e, por isso, vamos ver se os computadores quânticos conseguem resolver problemas como este”.

Há cerca de um ano o mesmo grupo ganhou dois projetos europeus de 13 milhões de euros para participar na construção do primeiro protótipo da futura internet quântica, uma rede que permitirá comunicações privadas a longa distância de forma mais rápida e segura, bem como ligar computadores e sensores quânticos.