Sociedade

Einstein ainda surpreende, 100 anos após o eclipse em São Tomé

Cem anos após o eclipse em São Tomé que provou a Teoria da Relatividade, o cientista continua a gerar descobertas

Adaptação da placa comemorativa dos 90 anos 
da experiência, inaugurada em 2009, na ilha do Príncipe

Ilha do Príncipe, Roça Sundy, 29 de maio de 1919. Astrónomos ingleses liderados por Arthur Eddington observam e fotografam um eclipse total do Sol e conseguem confirmar pela primeira vez experimentalmente a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, apresentada em novembro de 1915 à Academia de Ciências da Prússia. A expedição ao arquipélago de São Tomé e Príncipe, então território português, foi organizada pela Royal Astronomical Society e pela Royal Society. E os seus resultados marcaram a visão que temos hoje do Universo, precisamente 100 anos depois da experiência britânica, feita em simultâneo e com sucesso na cidade de Sobral, no nordeste do Brasil.

Os astrónomos ingleses observaram, usando vários instrumentos, se e em que medida a massa do Sol desviava a luz emitida por estrelas distantes, devido ao efeito da gravidade. A experiência só podia ser realizada obscurecendo a luz solar para tornar visíveis as estrelas à sua volta, o que foi possível graças a um eclipse total previsto para 29 de maio na zona do equador. Os resultados foram apresentados seis meses depois e revelaram que as estrelas observadas perto do disco solar durante o eclipse estavam ligeiramente deslocadas em relação à sua posição normal no céu, na medida prevista pela teoria de Einstein, isto é, 1,7 arcos-segundo. Um arco-segundo é uma medida usada para calcular ângulos e equivale a um ângulo com 1/3600 graus ou um círculo (360 graus) a dividir por 1.296.000.

Para entender o Universo

Mas os 100 anos da experiência de Arthur Eddington não são apenas uma efeméride. “A teoria de Einstein é um dos maiores triunfos do intelecto humano”, afirma ao Expresso Vítor Cardoso, o maior especialista português de buracos negros (ver entrevista). “É através desta teoria que percebemos o Universo, o Big Bang e objetos tão extremos como buracos negros. Em 2016 tivemos o anúncio da primeira deteção de ondas gravitacionais, em 2019 o da primeira foto de um buraco negro. E nada disto teria acontecido sem a expedição de Eddington e a consequente confirmação da Relatividade Geral”, constata o professor catedrático de Física do Instituto Superior Técnico (IST), onde lidera o grupo de investigação da gravidade no Centro de Astrofísica e Gravitação (CENTRA).

Vítor Cardoso falava ao Expresso da Universidade de Harvard (Cambridge, Massachusetts, EUA), depois de ter dado uma palestra no encontro “Black Hole Initiative”, que juntou cientistas do Event Horizon Telescope (EHT) — a rede de telescópios que fotografou pela primeira vez a zona envolvente de um buraco negro — e do observatório de ondas gravitacionais LIGO, bem como físicos teóricos, “para discutir tudo o que se fez, mas sobretudo o que há para fazer”. E o encontro começou precisamente a celebrar a expedição de Eddington.

Cem anos depois desta histórica expedição, a teoria de Einstein continua a ser confirmada por novas experiências. Mas depois da deteção por telescópios espaciais das poderosas emissões energéticas da matéria na vizinhança de buracos negros, da deteção de ondas gravitacionais e da primeira foto da zona envolvente de um buraco negro, o que falta ainda comprovar? E o que falta descobrir? “Existem dois aspetos fundamentais por perceber: como unificar a física quântica (microescala) com a gravitação (macroescala) e o que é a matéria escura”, adianta Vítor Cardoso. “Neste momento, as equações clássicas de Einstein falham no interior de buracos negros e no Big Bang. Isto é, a teoria permite a existência de singularidades (curvaturas infinitas no contínuo do espaço-tempo) como solução matemática”. Por outro lado, “ainda não observámos a radiação de Hawking — radiação térmica emitida por buracos negros devido a efeitos quânticos — e talvez ela tenha informação importante neste aspeto”, salienta o professor do IST.

Os segredos das ondas gravitacionais

E as ondas gravitacionais têm ainda muito para contar. Assim, o que vemos são mesmo buracos negros? São os previstos na teoria de Einstein ou são diferentes, talvez ajudando a resolver o problema das singularidades? Existiram transições repentinas no início do Universo, como se julga? Como é que os buracos negros que vemos hoje nasceram e cresceram? Quantos existem? Há muitas dúvidas para responder. É por isso que o Athena, o futuro telescópio espacial de Raios X da Agência Espacial Europeia (ESA, organização a que Portugal pertence), vai investigar com um pormenor sem precedentes os buracos negros supermaciços que se encontram no centro das galáxias. E a missão espacial LISA (rede de três satélites), também da ESA, vai identificar as ondas gravitacionais em órbita, observando as flutuações de baixa frequência que acontecem quando dois buracos negros supermaciços se fundem e só podem ser detetados do Espaço.