Algares, arcos, grutas, leixões e sapas – ver glossário –, são algumas das geoformas expostas, que ao longo de milénios as forças da natureza têm vindo a esculpir nesta costa, autêntico bilhete postal do Algarve.
A ação das marés, do vento e sobretudo da chuva, – que se vai infiltrando nos permeáveis calcários originando inúmeras galerias subterrâneas – vão erodindo as arribas, que podem perder até 2 metros por ano para o mar.
São mesmo sete os vales que atravessamos e são suspensos porque, com o recuo da linha de costa, os cursos de água que os escavaram desaguam agora acima do nível do mar, o que origina quedas de água quando chove muito e os ribeiros enxurram. Portanto, se gosta de cascatas e quer juntar um brinde a este PR, espere pelo dia a seguir a uma grande chuvada para o fazer. Mas tenha atenção que estes dias são também os mais propícios a derrocadas.
É um percurso com desníveis moderados, que percorre o topo das arribas – quase sempre em veredas de terra/areia, sendo que em certas zonas o caminho tem muitas pedras soltas, o que aconselha a usar botas de caminhada –, sempre com o mar à vista. O ponto mais alto está a 45,5 metros e o mais baixo a 7,5 metros. Está bem sinalizado e ao longo do trilho tem vários painéis informativos, que nos explicam a natureza que nos rodeia, com textos, infografias e desenhos bastante elucidativos, que de resto foram a principal fonte deste artigo.
Mas como não há bela sem senão, depressa nos apercebemos do perigo que corremos se nos abeirarmos das cristas destas arribas instáveis - de resto bem sinalizados nos inúmeros cartazes que as autoridades ali colocaram. Daí a importância de seguirmos sempre o traçado, assinalado com as conhecidas riscas vermelhas e amarelas dos percursos pedestres homologados, que mantêm uma margem de segurança em relação aos locais mais perigosos.
Da praia da Marinha até à de Benagil
Logo no início do passeio, os vários ângulos em que vemos a praia da Marinha vão prender-nos a atenção e logo percebemos o porquê de ter sido eleita pelo Guia Michelin, em 2007, como uma das 100 mais bonitas do Mundo. Mas quem a conheceu há uns anos depressa constata que dificilmente repetirá o feito: com a maré cheia quase não sobram espaços para estender a toalha no estreito areal; e os que sobram, junto às falésias, são totalmente desaconselhados, por estarem em zona de derrocada. Já a transparência da água e a fotogénica paisagem cársica continuam encantadoras.
Os dois grandes arcos de pedra no fim da praia da Marinha iniciam a lição de Geomorfologia, que prossegue logo depois com o primeiro dos vales suspensos, em cujas encostas podemos ver três algares. Estão vedados por cercas de madeira – num deles a cerca tem a forma de um coração, não deixe de reparar –, que nos protegem do precipício, mas conseguimos espreitar e ver e ouvir o mar lá no fundo. Mar, o nosso horizonte a sul, que nos acompanha durante todo o passeio e que nos cativa frequentemente o olhar, não só pela sua beleza, mas também porque está pejado de embarcações. Grandes, pequenas, a remos, à vela, réplicas de barcos antigos, quase todos em excursão turística nesta icónica costa.
Segue-se a praia da Corredoura, um grande areal, deserto, sem toalhas nem pessoas, a destoar de todos os outros em que iremos passar, onde não faltam banhistas. Há muita gente cá em cima, a olhar lá para baixo, a fotografar, mas as íngremes falésias não dão acesso à praia e só de barco se chega ao areal.
Umas dezenas de metros à frente, as muitas pessoas que rodeiam uma grande vedação de madeira fazem-nos adivinhar que se segue uma das estrelas deste PR, o algar de Benagil, cuja foto veio 'roubar' o lugar de símbolo desta região à imagem da típica chaminé algarvia. Só que essa foto do algar, que mostra uma praia dentro de uma caverna, iluminada por um raio de luz que entra pelo buraco no teto, é tirada do areal, lá em baixo. Neste passeio vemos o famoso algar de Benagil de cima, o que não deixa de ser uma imagem também muito bonita.
A seguir é a praia de Benagil, onde podemos repor as reservas de água, comer um gelado, petiscar algo num dos vários restaurantes ou dar um mergulho. Antigo porto de pesca – sobretudo ao polvo –, reconverteu a maioria dos barcos para passeios na costa, investiu no aluguer de canoas, nas pranchas de Stand Up Paddle e vive hoje do turismo marítimo e da proximidade do algar de Benagil – acessível desta praia, para aqueles que consigam nadar cerca de 150 metros neste mar algarvio, por norma calmo. Portanto, quem não quiser acabar este passeio sem uma foto tirada por si do famoso algar, pode sempre nadar até lá ou, em alternativa, alugar uma das várias embarcações à disposição na praia.
Da praia de Benagil, até ao bosque de pinheiros-de-allepo
Da praia de Benagil sai-se atravessando a esplanada do restaurante Casa Lamy e num instante estamos novamente lá em cima, onde começam a aparecer as moradias, com jardins que se estendem até muito perto dos extremos das arribas – o sonho da maioria das pessoas, uma casa paredes meias com o mar. Mas com a lição de Geografia deste passeio, com a perceção do recuo inexorável desta costa, também percebemos que as mais perto do mar poderão vir a ficar em risco.
Cerca de 700 metros depois chegamos à praia do Carvalho, mais um bonito areal sombreado por altas falésias. Acedesse-lhe por um túnel escavado na rocha, e o que se vê depois de o atravessar... arrepia. As íngremes encostas – onde a base está recuada em relação ao topo – apresentam várias fendas, o que faz adivinhar a quem as observe com atenção, que mais cedo ou mais tarde irão acontecer derrocadas. Mas lá estão os banhistas, mesmo com cartazes em 2 das 3 faces das arribas da praia, que não podem deixar de ver, a alertar para o perigo que correm.
Há alguns carros estacionados no terreiro de terra batida sobre a praia e mais acima veem-se várias caravanas, que vão, imaginamos, proporcionar aos seus ocupantes a sensação de ter, nem que seja por umas horas, uma casa na praia.
Menos de um quilómetro percorrido e chegamos ao leixão do Ladrão – que na realidade é mais uma pequena península em vias de se tornar ilha – onde se destaca um bonito arco de pedra, que os barcos carregados de turistas não resistem a atravessar. Uns bancos, sombreados por uma estrutura de madeira, proporcionam-nos uma pequena paragem, confortável, com belas vistas sobre o leixão e sobre o farol de Alfanzina, que já aparece a oeste.
O próximo vale, o quinto, alberga o maior bosque de pinheiros-de-allepo deste PR, onde uma área de merendas, com bancos e mesas de madeira, se revela ideal para degustar o farnel – que, a propósito, aconselhamos a levar.
É um recanto especial, banhado por uma bonita luz coada pelos frondosos pinheiros, em tudo diferente da forte luminosidade refletida pelo mar, que nos acompanhou até aqui. Nesta pequena ilha ecológica estão registadas a presença de vários animais selvagens, onde se destacam o mocho-galego, os saca-rabos e as raposas, o que não deixa de ser surpreendente nesta costa tão saturada de casas, pessoas e trânsito automóvel.
Do bosque de pinheiros-de-allepo ao Vale Centeanes
Logo à saída do pinhal, quase pegado à vedação do farol, está o maior algar deste PR, um impressionante buraco, com muita vegetação nas paredes. Até ao vale de Centeanes ainda temos a oportunidade de ver mais dois, um deles com uma chaminé perfeitamente redonda e outro onde até figueiras crescem nas suas paredes.
O farol de Alfanzina, construído em 1919, está implantado num grande terreiro e tem acesso por alcatrão, o que pode ser uma hipótese para estacionar o carro em época alta, quando os estacionamentos das praias da Marinha, de Benagil, do Carvalho e de Vale Centeanes – as outras ligações por estrada – estão lotados.
Daqui até ao fim sucedem-se os aldeamentos turísticos, que só deixam livres uma estreita faixa entre os seus jardins e o mar. E é no 6º vale, onde está o Rocha Brava, um village resort que não prescinde de um grande cartaz a avisar que o acesso ao empreendimento é só para residentes, que o caminho se complica mais, sobretudo na descida, onde umas grandes rochas afunilam a passagem, o que pode ser mais complicado para quem tenha problemas de locomoção. De resto está atribuído a este PR um grau de dificuldade média, que só se justifica pelas subidas e descidas – curtas e não muito íngremes – que temos de vencer para ultrapassar os sete vales e por ser uma caminhada algo longa para quem a fizer numa jornada de ida e volta.
Mais 700 metros e estamos no nosso destino, a praia de Vale Centeanes, também ela emoldurada por uma alta falésia sobre o estreito areal, que com a maré cheia quase desaparece. Mas aqui percebe-se que os riscos de derrocadas foram minimizados, já que a arriba foi intervencionada e a base está mais avançada do que o topo, contrariamente ao que nos assustou na praia do Carvalho.
Para finalizar em beleza, nada como um mergulho nesta bonita – e mais segura – praia. Depois de tanto tempo a ver ao longe estas translúcidas águas é altura de entrarmos nelas, é altura de nos refrescarmos do esforço da caminhada.
Glossário
Algares – Cavidades verticais - como que uma chaminé - que resultam do poder corrosivo da chuva nos calcários e que ligam as galerias subterrâneas à superfície
Grutas – Galerias subterrâneas que podem formar uma teia
Arcos – Arcos naturais, nos calcários costeiros, esculpidos pela erosão
Leixões – Blocos de rochas mais duras, que por serem mais resistentes à erosão, acabam por ficar isolados no mar, enquanto a costa recua
Sapas – Buracos côncavos na base das faces das arribas, que resultam da erosão provocada pelas marés
Paisagem cársica – Cenário natural resultante da erosão das rochas calcárias, que assumem as mais surpreendentes formas