A longo da última década, o Centro Hospitalar de São João (CHSJ) adjudicou, maioritariamente por ajuste direto, dezenas de contratos de construção, aluguer e reparação de contentores a cinco empresas do universo da família de Manuel Fernando Santos Silva, sócio-gerente e diretor geral da Jofilhos - Sociedade de Construções, Lda. A empresa construtora do serviço permanente de Urgência Pediátrica do São João, em 2008, é a mesma que tem vindo a instalar vários serviços provisórios em pré-fabricados no CHSJ, entre os quais os contentores que albergam ala pediátrica desde 2011, alvo de contestação desde que os pais dos doentes denunciaram a falta de condições na área de tratamento oncológico.
A discórdia em torno dos contentores e do arranque ainda sem início à vista da nova ala pediátrica por falta de aval de Ministério das Finanças voltou a subir de tom, face à revelação da bastonária da Ordem dos Enfermeiros sobre o investimento de quase €1 milhão feito pela administração do São João, no último ano, em contentores. Ana Rita Cavaco estranha gastos desta ordem de grandeza no aluguer e “deficiente manutenção” de pré-fabricados, situação que alega poder indiciar “falta de transparência”, dúvida acentuada pelo facto de 15 destes contratos terem sido efetuados sem concurso público. “E o que não foi por ajuste direto foi ganho pela mesma empresa”, refere.
Após a Ordem dos Médicos ter recebido uma denúncia anónima a alertar para a coincidência de outras quatro sociedades contratualizadas pelo CHSJ serem detidas parcialmente pelo proprietário da Jofilhos e outros três familiares, Ana Rita Cavaco afirma ter confirmado o cenário “duvidoso” no portal da contratação pública. Segundo o Expresso confirmou no referido portal, são tituladas pela família de Manuel Fernando Santos Silva as sociedades por quotas Rebigran e Espiralnor, ambas de reabilitação e construção, e ainda a Praiaco e a Vírgula Métrica, duas empresas de construção.
Tal como a empresa-pioneira, em atividade há 40 anos, as restantes empresas do grupo estão sediadas em Vila Nova de Gaia: a Espiralnor e a Rebigran partilham a mesma morada fiscal mas com números de porta diferentes, enquanto a Vírgula Métrica e Jofilhos têm endereço comum mas tudo em salas diferentes. Perante a situação “no mínimo estranha”, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros exortou o Ministério Público a investigar, tendo a Procuradoria-Geral da República revelado quinta-feira que o caso se encontra na fase de recolha de provas.
De acordo com um levantamento efetuado pela Ordem, do valor de € 1,4 milhões gastos em contentores desde 2014, apenas €22,8 mil foram adjudicados a empresas em que o referido empresário não figura como sócio.
Segundo a base de dados da contratação pública, os dois contratos com Rebigran foram declarados a 5 de junho de 2015, cada um no montante exato de € 65.774,16 euros, sendo ambos de aluguer de contentares e manutenção. Com a Vírgula Métrica foram declarados cinco contratos, entre 5 de junho de 2015 e 16 de dezembro de 2016, no valor de mais de €400 mil para beneficiação de serviços de construção.
Com a Espiralnor, em meados de 2015 foram contratados serviços de remodelação da farmácia do ambulatório e o arruamento do serviço de acesso às urgências, no valor global de quase €60 mil, enquanto os dois contratos com a Praiaco foram contratualizados já este ano, em janeiro e março, no total de cerca de €53 mil, para reparação do pavimento da unidade de autópsias e substituições de vãos e montagem de estores nas enfermarias dos serviços de traumatologia.
Para Ana Rita Carvalho, os gastos sucessivos em contentores em detrimento de instalações duradouras são um problema que atravessam vários governos e administradores do CHSJ. O caso mais antigo de serviços em instalações provisórias é o de neurocirurgia, a funcionar há 11 anos em “condições deploráveis” em pré-fabricados, segundo revelou ao “Público” o diretor de serviço Rui Vaz, no passado dia 18 de abril, dois depois do arranque das obras definitivas.
O Expresso tentou sem sucesso contactar a administração do São João e a Jofilhos para a sede da empresa. Quinta-feira, face às dúvidas suscitadas pela bastonária, o hospital garantiu que a legislação nos processos de renovação do aluguer de contentores está a ser cumprida.