Sociedade

Os dias tranquilos na África para principiantes

Vivem cerca de 280 mil pessoas na cidade de Windhoek e Sónia Godinho é uma delas. Foi a Namíbia que a escolheu a ela e quando lá chegou há três anos surpreendeu-se com a forma como a capital estava organizada - não era a cidade africana que esperava. Entre os portugueses que já conhece está a Dona Isabel. “Faz os melhores pastéis de nata que já comi fora de Portugal.” Esta é a sétima história da segunda séria “Em Pequeno Número”, que o Expresso começou a publicar há dois anos e que relata a vida dos portugueses que vivem em regiões onde quase não os há

Sónia Godinho está há quase três anos a viver na capital da Namíbia, Windhoek
Sónia Godinho/DR

De Timor-Leste à Namíbia são 11 mil quilómetros. E foi essa a distância que Sónia Godinho percorreu quando mudou de continente: terminara os quatro anos vividos em Timor-Leste para se mudar para a cidade de Windhoek, capital da Namíbia, onde vive há já quase três anos.

“O choque com a Namíbia foi total.” Sónia vinha do clima húmido de Timor-Leste, habituada a estar à beira-mar. “Além disso, viver na Ásia implica estar sempre habituada a ver multidões de pessoas em todo o lado.” Daí o choque: na capital, Windhoek, que fica a 1600 metros de altitude, com montanhas à volta e um clima muito seco, vivem cerca de 280 mil pessoas. “A comunidade de expatriados em Windhoek é bastante reduzida, contrariamente à de Timor Leste, o que significou ter menos amigos e levar mais tempo a criar uma rede social e de apoio.”

A Namíbia é, na verdade conhecida como a “Suíça” da África "ou a África para principiantes”. Isso explica-se pelo facto de infraestruturas como as casas ou as estradas serem boas e os serviços como o fornecimento de água, de eletricidade, o saneamento, a recolha de lixo ou os supermercados funcionarem. A vida na capital é “tranquila e confortável”. “Não há muito trânsito, por isso é possível estar no trabalho em menos de dez minutos.”

Sónia Godinho/DR

Sónia Godinho trabalha para a União Europeia (UE) e atualmente é gestora de projetos de cooperação e de desenvolvimento. “Trabalho com projetos essencialmente nas áreas sociais, educação e questões de género, mas também na área da boa governança pública.” Para trás ficam 12 anos seguidos fora de Portugal: fez um estágio na Comissão Europeia em Bruxelas, uma pós-graduação em Paris e depois viveu cinco anos em Bruxelas, quatro em Timor Leste e agora quase três na Namíbia.

Um salto entre continentes

Segundo os dados da Direção Geral de Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, no final do ano passado, viviam na Namíbia 1500 portugueses registados no consulado. A Namíbia tem 2,5 milhões de habitantes e 824 mil km2 portanto tem uma densidade populacional muito baixa. Praticamente metade da população é urbana e numa década a esperança média de vida aumentou dez anos, mostram os dados do Banco Mundial.

Depois da Ásia, Sónia procurava um país africano, idealmente de língua portuguesa, mas acabou por aceitar o desafio de se lançar para a Namíbia. “Na verdade, foi a Namíbia que me escolheu a mim. Tinha estado a trabalhar quatro anos em Timor Leste e estava na hora de país.” Para quem trabalha para a União Europeia existe um processo de rotação que depende de vários fatores – as preferências dos funcionários, as disponibilidades de vagas e as condições de vida dos países onde trabalharam. “Tinha feito várias entrevistas e acabei por ser escolhida para ir para a Namíbia.”

Atualmente vive numa zona que não fica muito próxima da delegação da União Europeia onde trabalha mas consegue lá chegar diariamente em dez minutos e até consegue ir almoçar a casa. “Se estiver em Windhoek passo o dia em reuniões com os funcionários dos Ministérios com quem trabalho, com agências das Nações Unidas, com Organizações Não-Governamentais, e outros parceiros de desenvolvimento, consultores e peritos.”

Mas regularmente tem de sair da capital para visitar outros projetos da UE. Essas viagens “levam horas”, tendo em conta a dimensão do país. “Mas esta é uma das partes de que mais gosto no meu trabalho: estar junto das comunidades que beneficiam dos nossos projetos.”

Sónia Godinho/DR

O lado bom e o lado mau

Aquilo que mais a surpreendeu quando aterrou a 1 de fevereiro de 2015 foi a organização da cidade. “É limpa mas muito deserta e sobretudo depois das cinco da tarde. Não correspondeu à expectativa que se tem de uma cidade africana. Depois percebi que esta realidade só existia num lado da cidade – o dito lado bom, onde vivem as pessoas com melhores condições socioeconómicas – e do outro lado da cidade havia mais animação mas também mais caos, alcoolismo, violência e muita miséria humana, sobretudo em certos bairros de lata.”

A cidade tem pouca animação social, cultural e desportiva, mas isso tem uma explicação cultural e histórica. “Devido ao facto de ter sofrido o regime de Apartheid imposto pela África do Sul, a separação ainda existe nas mentalidades e nos comportamentos das pessoas. Dada a falta de políticas de integração, as pessoas escolhem conviver no espaço privado, ou seja, nas suas casas, com os amigos e comunidades que conhecem.”

Sónia Godinho/DR

Na Namíbia, já conhece cerca de dez portugueses, entre os 30 e os 40 anos. Alguns são professores de portugueses, devido ao acordo que Portugal tem para o ensino da língua portuguesa em escolas nacionais, e outros são empresários. Sónia diz ter já conhecido também estagiários a trabalhar na embaixada.

“Existe depois uma comunidade mais alargada de portugueses de gerações mais velhas, muitos dos quais vieram de Angola, fugindo à guerra civil, e que se instalaram na Namíbia. Entre eles destaco a Dona Isabel que faz os melhores pastéis de nata que já comi fora de Portugal e outros mimos gastronómicos que dão para matar as saudades de casa.”

Sónia Godinho/DR

Fora do trabalho

Nos seus tempos livres, Sónia Godinho opta por fazer voluntariado numa ONG – na qual dá formação sobre educação sexual, por exemplo. Aproveita também para fazer yoga, passear o cão e fazer churrascos em casa. “Ou então dou um salto à Cidade do Cabo na África do Sul, que fica só a duas horas de viagem de avião de Windhoek.”

Já os namibianos têm por hábito fazer churrascos ao fim-de-semana – “conhecidos aqui como ‘braais’” – que duram o dia todo e em que se grelha todo o tipos de carne incluindo carne de caça de antílopes. “Outro hábito típico é sair ao fim-de-semana e ir acampar com amigos”, conta a portuguesa, acrescentando que a Namíbia tem condições fantásticas para fazer campismo e umas paisagens “impressionantes”, para além dos safaris onde se veem os “big five”: leões, rinocerontes, elefantes, búfalos e hipopótamos.

Sónia Godinho/DR

Aquilo que já não conseguiria deixar de ter? Os “constantes” dias de sol e céu azul, o grupo de jovens com quem trabalha na ONG e que se tornaram a sua “família namibiana” e ainda o namorado que conheceu já na Namíbia e com quem vive.

“O máximo de anos que posso estar na Namíbia a trabalhar para a União Europeia são seis anos, depois desse período terei de mudar. Espero no quinto ano na Namíbia saber para onde vou. Veremos o que me espera a seguir. Voltar a Portugal é sempre uma opção, mas estará sempre dependente das oportunidades profissionais.”