Sociedade

Caracóis gigantes, “tro-trós” e negócios no trânsito: o país onde é fácil encontrar comida mas não casa

Que país se escolhe quando o nosso já não nos dá o que queremos? Hélio Rodrigues escolheu um destino de emigração improvável para um português - e por enquanto não quer sair de lá. Esta história é a segunda da nova série “Em pequeno número”, que o Expresso começou a publicar há dois anos e que relata a vida dos portugueses que vivem em regiões em que quase não os há

Numa ida ao norte, Hélio encontrou esta criança a vender caracóis gigantes da floresta, a quem pagou uma gorjeta para lhe tirar uma foto
Hélio Rodrigues/DR

O calor foi o que mais o surpreendeu quando chegou ao Gana com a família. O clima é quente durante todo o ano e existem apenas duas épocas: a da seca e a das chuvas. Foram três longos meses de adaptação, não só ao clima mas também aos novos hábitos alimentares e às tradições do país.

“Ainda hoje não consigo aderir totalmente aos hábitos alimentares dos locais, pois a comida aqui é bastante condimentada e pouco variada, muito à base de produtos fermentados de milho e mandioca”. Ainda assim, quatro anos e sete meses depois de ter chegado ao Gana, Hélio Rodrigues, 36 anos, já se rendeu à fruta, aos sumos naturais, ao peixe e ao marisco. “São produtos de fácil acesso e de baixo custo no país.”

Vista aérea de uma cidade ganesa Acra
Hélio Rodrigues/DR

Foi em meados de 2012 que a família de Hélio Rodrigues se viu confrontada com uma decisão “muito difícil de tomar”: ir ou ficar? As empresas de construção – sector no qual trabalha a sua mulher, também portuguesa – viram-se pressionadas pela recessão económica que se fazia sentir no país e foram obrigadas a apostar fortemente no mercado internacional. Nessa altura decidiram então arrancar para um novo projeto desconhecido bem longe, num país da África Ocidental – o Gana.

Foram para Acra, capital do Gana, onde vivem cerca de dois milhões de pessoas, de acordo com o World Fact Book. “A comunidade portuguesa no Gana conta com cerca de 200 portugueses, mas quando cheguei eram muito poucos.” No final do ano passado, o consulado registava 130 portugueses inscritos a residir no país, segundo a Direção Geral de Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas.

Peixeira a limpar uma garoupa no mercado do peixe na cidade de Tema
Hélio Rodrigues/DR

O trânsito é uma oportunidade

É em Tema – uma cidade localizada a cerca de 25 quilómetros de Acra – que Hélio trabalha como chefe de armazém numa cadeia de supermercados europeia. O seu horário de trabalho arranca às 06h e prolonga-se até às 17h. “Ao final do dia aproveito para descansar em casa e dispensar algum tempo à família.” Mas não antes de enfrentar o trânsito caótico que se instala na cidade a partir dessa hora. “O trânsito aqui no Gana é um dos grandes problemas.” E a principal razão para isso é a inexistência de vias alternativas às principais. “Numa cidade como Lisboa podemos fazer este percurso [25 quilómetros] em 30 minutos, mas aqui podemos demorar entre uma a três horas.”

À semelhança do que acontece noutros países africanos, o trânsito é aproveitado como oportunidade de negócio pelos ganeses. Nas horas mais caóticas do período da manhã, entre as 7h e as 9h, e da tarde, entre as 17h e as 20h, os vendedores ambulantes deslocam-se para pontos estratégicos – onde os carros são obrigadas a parar – e aproveitam para vender os mais variados produtos como águas, fruta, produtos de limpeza, artigos automóveis, brinquedos e até animais de estimação.

Vendedora ambulante que montou o seu negócio à beira da estrada
Hélio Rodrigues/DR

Os negócios tradicionais passam também por oferecer alternativas ao uso de viatura própria. Há muitos táxis e ainda o “tro-tró”, pequenas carrinhas com cerca de 23 lugares que se deslocam pela cidade e que param sempre que os passageiros pedem. “São muito utilizados pelos locais pois é muito prático e muito barato.”

Negociar “gorjetas” e a felicidade da morte

Outra das características do Gana que o português destaca é o hábito de negociar gorjetas. “Temos de estar preparados para este ritual.” Até mesmo em pequenas tarefas, como ajudar com os sacos de compras, o valor das gorjetas podem ser no montante de 2 cedis ganeses (GHs), cerca de €0,39. “Se o serviço prestado for mais complexo, a gorjeta tem que ser sempre negociada.”

Também é normal negociar as multas com a polícia. Hélio recorda que, poucos meses depois da sua chegada ao país, foi confrontado por um polícia que diz ter detetado um problema nos refletores do seu veículo, argumento encontrado para poder negociar a gorjeta. Após avanços e recuos, Hélio acabou por pagar 40 GHs (€7,8) para convencer o polícia a não emitir qualquer multa.

Um vendedor tem a roupa assim exposta perto da praia de Kokrobite
Hélio Rodrigues/DR

Uma das descobertas que fez na cultura local está ligada à forma como os ganeses encaram a morte. “É uma celebração de alegria, pois acreditam que quando uma pessoa morre será transportada para um local muito mais agradável e feliz.” As celebrações – que duram três dias e nas quais os familiares e convidados vestem preto e vermelho – só se realizam quando a família conseguir reunir dinheiro suficiente, pelo que pode demorar “meses ou anos até enterrarem os seus entes queridos”.

Fácil acesso a comida mas difícil acesso a habitação

Ao contrário do que acontece noutros países africanos, Hélio Rodrigues conclui que no Gana não existem muitas pessoas com fome ou subnutridas. “Este é um país muito rico em fruta e peixe, aos quais toda a população facilmente tem acesso.”

Mercado tradicional no Gana
Hélio Rodrigues/DR

Mas isso não acontece em relação à habitação, por exemplo. Há quem viva em “condições desumanas, muito deficitárias, sem acesso a água canalizada ou sequer uma simples casa de banho”. Grande parte da população faz dos seus locais de trabalho, como lojas, as suas próprias casas. A partilha de casa entre familiares também é comum no Gana, onde o vencimento médio não passa de 400 GHS (€77), segundo o português, o que torna difícil pagar uma casa.

Contudo, é o baixo custo da mão de obra que também permite ao português pagar a mais do que uma pessoa para cuidar da casa e dos filhos, e ter até um motorista. Hélio Rodrigues conta que, entre a população, facilmente se percebe a existência de uma classe mais pobre, outra mais rica, e os estrangeiros, designados por “obroni, que significa pessoa branca”. E no comércio local sentem-se essas distinções. “Como os locais veem o estrangeiro como fonte de riqueza, até têm preços diferentes para os estrangeiros.”

Hélio Reodrigues, com a esposa e a filha
Hélio Rodrigues/DR

Os grandes investidores internacionais, atraídos pelo crescimento económico do país, criam muitas oportunidades de emprego. No Gana, onde vivem cerca de 22 milhões de pessoas, de acordo com o World Fact Book, 11,2% dos jovens estão desempregados.

A estabilidade e a segurança do país também motivam a chegada de mais pessoas. Neste país é possível encontrar portugueses a trabalhar em qualquer área: desde o ensino à construção, passando pelo desporto, pelo sector alimentar e até na área comercial, enumera Hélio. “Mensalmente temos um encontro com todos os portugueses que residem aqui, de forma a trocarmos experiências e convivermos.” Para o futuro, diz o português, um regresso ainda não faz parte dos planos. “Portugal ainda não oferece as condições suficientes que me permita regressar a curto prazo, mas efetivamente pretendo regressar.”

Texto atualizado dia 27 de dezembro, às 13h22