Excêntrica. Coisa que não acontece com Amélia Antunes é correr o risco de passar despercebida sempre que sai de casa. Seja de manhã, quando vai ao supermercado do seu bairro, em Carnaxide, à tarde, quando passeia pela Baixa da cidade, ou à noite, quando serve bebidas atrás do balcão do Fluid, bar em Santos do qual é proprietária.
Amélia é exemplo de uma tendência urbana, visível sobretudo em grandes cidades: um grupo de pessoas revivalistas que, por uma questão estética, cultural, sentimental ou de afirmação na sociedade, a dado momento da sua vida começam a interessar-se mais pelas criações do passado do que pelas do presente. Vestem-se com roupas usadas pelas nossas avós, ouvem discos em vinil e perdem a cabeça por peças de mobiliário de outros tempos.
Durante as noites longas passadas no bar, a empresária tem habitualmente por companhia o Dr. Boris Vian e Heidi da Rosa Brava - os seus dois cães da raça britânica Parson Jack Russell, que leva para todo o lado. Mas o facto de facilmente se tornar o centro das atenções não se deve só à sua figura vistosa - cabelos compridos, corpo alto, bronzeado e elegante - ou aos seus simpáticos canitos. Tal é explicado pelo seu visual espampanante composto por coloridas "toilletes-vintage", quase todas originárias da década de 60.
Amélia, 35 anos, assume o estilo da geração "Flower Power", essencialmente por uma opção estética. "Atraem-me as cores, o design da roupa, os padrões, os tecidos e os cortes", resume.
O resultado é cinematográfico. Não é raro encontrá-la a usar grandes chapéus e capelines, superlativos óculos escuros para disfarçar as maleitas das madrugadas em claro, ou a interpretar a pose bamboleante que os seus exóticos vestidos, tendência de moda de outras épocas, lhe inspiram. O seu bar e a loja de calçado revivalista Happy Days, do qual é sócia, são a extensão desta sua preferência. Neles encontram-se paredes forradas a papel de parede com motivos entre o rosa e o verde-alface, bolas disco-sound, rádios, relógios e peças de mobiliário dos anos 50 e 60. "Adquiri-os numa loja da Figueira da Foz".
É nos acessórios que Amélia mais gosta de ousar. Malas, colares, anéis e pulseiras antigos que Amélia transforma com as suas próprias mãos para objectos "ultra-kitsch". "Gosto de lhes aplicar bonecas, bebés, brancas-de-neve, anões, Nossas Senhoras de Fátima, para as tornar mais divertidas", comenta. O "kitsch" é, aliás, a sua forma preferencial de interpretar o "vintage". "Faz-me sentir que não ando igual a toda a gente. Gosto de ter uma presença singular", explica. O seu próprio guarda-fatos remete-nos para uma espécie de baú da avó onde se encontram pendurados dezenas de vestidos, saias e casacos, na sua maioria, em segunda mão. O facto não a incomoda. "É muito raro encontrar no mercado uma peça vintage que não tenha sido usada", afirma.
Barato é bom
A comerciante confessa que é no estrangeiro que adquire a maioria das suas indumentárias. Mais particularmente em Londres, na feira de Camden Market e no bairro de Notting Hill, assim como nas lojas e feiras espalhadas pelo centro de Amesterdão. Nessa ronda, não gasta muito dinheiro. "Lá fora, os vestidos vintage são muito mais baratos e encontra-se uma maior variedade de modelos", explica. Experiente na matéria, sempre que parte de férias para um destes destinos, aproveita e leva uma mala vazia para se abastecer de novas roupas e adereços. Diz-se adepta das pechinchas, gosta de remexer nas bancas de rua, e garante que "raramente" gasta mais do que 100 euros num vestido. "Nunca falto aos 'stock-outs', espreito sempre as novidades. Gostaria, no entanto, que a tendência vintage se alargasse para surgirem mais lojas deste género", deixa o recado.
Amélia passou a vestir-se vintage desde que começou a frequentar o Bairro Alto, no início da década de 90. Foi por essa altura que apareceram em Lisboa as primeiras lojas com "stock" alternativo e revivalista (Ultra-violeta e Bazar Paraíso, que entretanto fecharam).
Actualmente, tornou-se uma espécie de hábito entre amigas e conhecidas telefonarem-lhe a pedir roupas emprestadas para irem a casamentos. "As roupas que eu uso no dia-a-dia são, para elas, os fatos ideais para comparecerem numa cerimónia do género", confessa divertida.
Homem 'noir'
«Homo-Acumulater". É com este neologismo que o designer gráfico Carlos Guerreiro se autodefine. "Tenho uma obsessão pelo conhecimento. Estou atento ao presente e ao passado, e esse é um processo acumulativo", afirma. Rejeita o epíteto de revivalista, apesar de tentar recriar através das suas roupas a estética do solteirão engatatão pós-guerra, eternizado nos filmes dos anos 40 e 50. Dean Martin, Frank Sinatra, Sammy Davis Jr. são três das figuras masculinas americanas que mais o inspiram quando se aperalta frente ao espelho.
"Gosto do universo de sedução criado pelos galãs dos Dry Martini, a minha bebida de eleição", declara. É, aliás, pelo interesse que tem por música jazz - o bebop de Charlie Parker e Miles Davis, em particular - e o gosto que o move pelo cinema em geral, desde os tempos do mudo, a passar pelo estilizado cinema "noir" dos anos 40 e 50, até à actualidade, que chegou a esta opção visual. Por uma questão de atitude e de identificação. O irreverente cantor e compositor francês Serge Gainsbourg é outra das suas preferências musicais, de quem colecciona vários discos em vinil. L'Étonnant é um dos seus predilectos.
Desde muito cedo preocupado com a sua imagem, começa aos 17 anos a pedir à mãe para lhe fazer roupa mais ao seu gosto. "Com o tal toque excêntrico dos anos 40 e 50". Na década de 80, a residir em casa dos pais, em Almada, fazia um longo percurso até à El Dorado, no Bairro Alto, a única loja vintage existente na época, para adquirir as camisas brancas anos 70, com colarinho de goma, que sempre apreciou. Anos depois, passa a cliente habitual da Rés-vés Campo de Ourique, no bairro de Campo de Ourique, entretanto extinta, especializada em roupa de segunda-mão.
Os seus amigos habituam-se às suas indumentárias teatrais. "Diziam-me que eu podia usar uma saia, que até isso eles achariam normal". Dito isto, garante a pés juntos que é tímido e que não gosta de dar nas vistas. Isto apesar dos chapéus, gravatas espampanantes, casacos brilhantes e sapatos de graxa, em bico, que usa no quotidiano.
Hoje em dia compra a maioria das roupas que veste através da Internet, mais especificamente no "site" de leilões da E-bay. "Adquiri há tempos umas calças clássicas, dos anos 60, ligadas ao universo do swing e do rock'n' roll. Têm pregas, vinco e são largas em baixo", recorda com precisão. Mas em matéria de moda, o que Carlos mais gosta de fazer é misturar peças vintage com roupas de estilistas actuais. "Compro muita roupa 'high- fashion'".
Uma questão sentimental. É pela ligação à sua avó materna que a designer "free-lancer" Patrícia Sobral, 36 anos, passou a ter uma estreita ligação com o vintage. Em especial, com o mobiliário da década de 50. Pouco recorre à roupa de época. Serviços completos de loiça, candeeiros Sputnik, mesas em forma de rim, cómodas e outras tantas cadeiras de época são o espólio que herdou da avó, há dez anos, e que hoje conjuga em sua casa com diversas peças contemporâneas. Algumas bastante pop. Uma torre de lego na sala pintada a verde pistacho, um dragão chinês no tecto do corredor, e muitos super-heróis japoneses no topo da lareira com azulejos século XVIII. Ganho o vício pelo vintage, de vez em quando faz a ronda às lojas de velharias da Praça do Chile, zona onde vive, em busca de relíquias baratas. "Não sou coleccionadora e tenho que ser selectiva para não atafulhar a minha casa. Que não é grande", esclarece.
Sinal de requinte
Elegante. Uma espécie de procura de apuro no vestir é a forma com que a arquitecta Sónia Cardoso assume o vintage no seu quotidiano. Começou a interessar-se por peças de vestuário de outras épocas há sete anos, por influência de amigos. "Passei a não ter medo de arriscar e a vestir tudo o que me apetecesse". O facto de ir a Londres seis vezes por ano para acompanhar o namorado, de origem britânica, aguçou-lhe ainda mais esta sua preferência. Garante que o conceito vintage em Inglaterra é sinal de requinte. "E, se forem peças boas e raras, chegam a ser bem mais caras do que peças novas".
Tal como Carlos, Sónia bate-se também na Internet por pechinchas. O vestido Christian Dior às riscas, datado de 1957, que usou na sessão fotográfica para o Expresso, foi adquirido em leilão na E-bay por apenas 86 euros. "Um achado!" Já a mala preta Chanel, que vale no mercado cerca de 300 euros, foi-lhe oferecida por uma amiga. Longe da imagem bafienta que muitos associam às roupas usadas, Sónia defende que o vintage não deve parecer datado, mas sim especial e actual. "We can't look like our granny!" (Não devemos parecer-nos com a nossa avó!)