Uma imagem retida há dois anos, quando seguia de bicicleta para Castro Laboreiro, não me saía da cabeça. E por ela voltei à serra da Peneda.
Desta vez de carro. Quinhentos quilómetros depois lá estava a imagem, no mesmo sítio, tal e qual a recordava: ao longe, uma 'gravata branca' decorava a penedia.
Há dois anos o destino era outro e não pude aproximar-me, mas desta vez quero chegar à sua beira.
APROVEITAR AS DICAS DO ANTÓNIO, UM CASTREJO INFORMADO
Previamente tinha contactado António Domingues, autor DESTA PÁGINA na internet dedicada a Castro Laboreiro, que se prontificou a ajudar-me in loco. Quando lhe falei daquela queda de água identificou-a logo como a Cascata de Dorna e disse-me que sabia como lá chegar.
Assim fiz. Comecei a descer o barranco, e pouco depois vi a queda de água à minha direita, só que lateralmente. Uma plataforma de rocha, umas dezenas de metros abaixo, pareceu-me o sítio ideal para a ver de frente.
E embora tivesse de atravessar um autêntico matagal prenhe de água, que rapidamente me empapou a roupa, fui recompensado pela vista que obtive nessa rocha. Mesmo com muitos ramos pelo meio, tinha à minha frente uma bonita cascata com mais de uma dezena de metros.
O António conhece bem esta zona e aproveito para lhe perguntar se sabe de mais quedas de água aqui à volta. Em meia hora de conversa fala-me de mais quatro zonas de cascatas – Poço Sero, Salto do Gato, cascatas de Castro Laboreiro e a ´grande’ do rio Laboreiro -, e explica-me como lá chegar.
A ‘grande’, que fica no troço final do rio Laboreiro, é descrita como a mais imponente, mas também a que tem o acesso mais difícil. Prontifica-se a ir lá comigo mas avisa-me logo: “Já não vou para ali há uns tempos, não sei como aquilo está. Mas conte com muitas arranhadelas das silvas, e com muita água que o vai ensopar da cabeça aos pés. São três horas de caminhada para ir e vir, desde a aldeia de Ribeiro de Baixo.”
Agradeço-lhe a disponibilidade mas decido visitar primeiro as outras três zonas, com melhores acessos, e depois logo vejo se arrisco ou não ir à ‘mãe de todas as cascatas’.
O TRANQUILO INVERNO DE CASTRO LABOREIRO
Este ano, até meados de janeiro, altura em que fiz esta viagem, ainda só tinha nevado uma vez em Castro Laboreiro mas o sol, nos dias seguintes, depressa derreteu o manto branco.
Está frio, os nevoeiros vão e vêm, uma chuva miudinha insiste em marcar presença e o sol espreita muito raramente.
Mas isso não me preocupa. Tenho guarda-chuva e agasalhos suficientes, e as fotos, apesar de ficarem com o céu mais esbatido, são compensadas com os bonitos verdes da vegetação viçosa.
A vila, que tem a honra de ser a única terra portuguesa que dá nome a uma raça de cães, fica nos confins de Portugal. Já foi um local muito isolado, mas hoje em dia não faltam restaurantes e alojamentos para os muitos forasteiros que a demandam.
Os locais falam entre si um português com muitos termos galegos, e ouvi mesmo referências a um dialeto local que os mais antigos ainda não esqueceram.
UM CHEIRINHO DO PASSADO NUMA ALDEIA DO PLANALTO
No dia seguinte começo logo cedinho por rumar a Rodeiro, a última aldeia na estrada para o planalto de Castro Laboreiro, perto da qual fica o Poço Sero.
Logo à saída do hotel, no curto caminho para o carro, fico apreensivo com o gelo que forra o chão. Arranco devagar, não passo da 3ª velocidade, e dos 900 metros da altitude de Castro Laboreiro, para os 1100 de Rodeiro, a quantidade de gelo continua a aumentar, proporcionalmente à minha apreensão.
Mas lá chego a Rodeiro onde um aldeão idoso me explica o caminho pedestre para o poço, que fica a pouco mais de 1 km da aldeia. O trajeto é entre muros, mas a muita chuva que tem caído tornou-o num leito de um regato e, quando do cimo da encosta vejo o rio Laboreiro, já tenho os pés encharcados. E ainda me falta descer até aos dois moinhos que enquadram o Poço Sero, o que faço com todo o cuidado, evitando o gelo e as pedras escorregadias.
Mas o esforço é recompensado: o rio, poderoso, corre enxurrado, o barulho da água apressada para chegar à foz abafa todos os outros e, para melhorar o cenário, só mesmo se aparecesse uma lontra a pescar na corrente…
A PASTORA PARA QUEM CABRAS E OVELHAS SÃO A MESMA COISA
O próximo destino é o Salto do Gato, perto da estrada de Castro Laboreiro para Varziela.
Estaciono o carro num pequeno miradouro que aparece logo depois do cruzamento para Portos, ando uma dezena de metros para trás, e apanho um troço do percurso pedestre (PR) que vai para Varziela.
Cinco minutos depois estou num largo onde pasta um pequeno rebanho. A pastora, uma senhora de meia-idade, está sentada num murete de pedra a tricotar:
- Boa dia minha senhora. Que rebanho original o seu, com ovelhas e cabras misturadas. Dão-se bem?
- Dão. Cresceram juntas e é como se fossem todas a mesma coisa.
- Ando aqui à procura do melhor local para ver o Salto do Gato. Pode ajudar-me?
- Poder posso. Só não percebo qual é o seu interesse? Aquilo é um bocado de rio como os outros. Mas você é que sabe. Tem de atravessar esse matagal aí à frente e ir até àquelas pedras lá ao fundo donde consegue vê-lo. Dantes havia veredas, agora não. Tem mesmo de ir a corta mato.
Agradeço-lhe a dica, salto o murete e lá vou eu pelo meio de giestas, de silvas e de lameiros, até às pedras que me indicou.
O Salto do Gato fica num afluente do rio Laboreiro que se despenha em duas cascatas, com uma boa lagoa na primeira, e não fica atrás do Poço Sero em espetacularidade. Para a pastora é um troço do rio como os outros, mas para mim é... especial.
OS MILAGRES DO SANTO DA CASA
Parto para as próximas cascatas, as que ficam em Castro Laboreiro, a pensar se farão jus ao ditado que sentencia que 'santos da casa não fazem milagres'. Vou até ao museu, apanho um caminho sinalizado para o castelo e, uns metros depois, uma cortada à esquerda indica os moinhos e cascatas do Laboreiro a 250 metros.
Percorridos os 250 metros rapidamente percebo que 'não há regra sem exceção': o santo local fez um milagre na própria casa. As cascatas, uma sucessão de quatro, todas com lagoas, são espetaculares.
Fico a imaginar este paraíso no verão, a invejar os banhistas que usufruem dele. Podem aproveitar a força destas águas para massajar os corpos, as lagoas para nadar e, se a sede apertar, basta abrir a boca. São águas puríssimas, que brotam no planalto de Castro Laboreiro, a cerca de 4 quilómetros daqui, e que correm selvagens por um território muito pouco povoado.
AFINAL TENHO DE VOLTAR NO VERÃO…
Resta-me um dia na Peneda e tenho de decidir se aceito o convite do António para me levar 'à mãe de todas as cascatas'.
Lembro-me dos arbustos encharcados, lembro-me do gelo em Rodeiro, lembro-me das silvas, e acrescento uma segunda nota na agenda, ao capítulo das 'Coisas a fazer quando voltar a Castro Laboreiro no verão': ir com o António conhecer a grande cascata no troço final do rio Laboreiro.
A outra nota já estava na agenda desde o primeiro dia: voltar no verão para tomar banho nestas lagoas translúcidas.