Vou à Fondation Beyeler sempre que visito a Art Basel, mesmo que só vá durante poucos dias. Fundada em 1982 pelos coleccionadores de arte Ernst e Hildy Beyeler, esta fundação privada opera desde 1997 num edifício desenhado pelo arquitecto italiano Renzo Piano, no Berower Park, aos pés da Floresta Negra. É, na minha opinião, um dos melhores e mais bonitos museus do mundo.
Por si só justifica mais do que uma crónica, mas hoje escrevo ainda sob a impressão profunda de ter visto na Beyeler, há poucos dias, durante a Art Basel 2023, uma exposição sobre a obra da artista colombiana Doris Salcedo. É uma impressão que permanecerá pelo resto da vida, devido à subtilidade e força desta artista, que já conhecia e admirava, mas que tinha visto só em exposições colectivas — perdi a da Gulbenkian em 2007 — acentuada pela forma como as cerca de cem obras, de oito séries, estão dispostas no espaço do museu. Muito frequentemente, o interesse que tenho sobre certos artistas acontece devido aos cruzamentos com o design e a arquitectura que identifico no seu trabalho. Com Doris Salcedo isso aconteceu desde o início, quando a conheci em Bogotá. A forma como a artista manuseia objectos e artefactos normais, vindos do nosso dia-a-dia — como uma cadeira, um armário, um ferro de uma obra, uma camisa, mesas desirmanadas, peças de roupa — como se fossem verbos e palavras de uma linguagem desenhada para nos entrar pelos olhos, pelo corpo, pelo espírito adentro, é magistral. Seria sempre assim, utilizasse ela objectos ou não, mas o facto é que ela os usa. A obra de Doris Salcedo aproxima-se do visitante. Seja ele mais atento ou mais incauto, com a inevitabilidade de um incêndio num dia de vento. Não há inocência aqui, nem ausência de intenção. As obras, quase todas elas, resultam de uma pesquisa com uma profunda raiz de carácter social e político. Ao usar coisas comezinhas, coisas simples, que são funcionais e silenciosas na nossa vida, que ela modifica com os seus gestos e actos, imprimindo o que ela queira que nos lembremos, que não esqueçamos, deixa-nos submersos pelas histórias que nos quer contar, de uma emoção e alcance universal, embora muito do seu trabalho parta de um facto concreto, num local específico, muitas das vezes situações socialmente injustas na Colômbia.