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Cartas Abertas

Há falta de comunicação, falta de chá, falta de coragem, falta de tino e a falta que ele nos faz

É simples exigir a demissão de ministros, primeiros-ministros, responsáveis vários. A maioria das vezes arrependemo-nos

Zequinha começou numa ponta da prateleira e terminou na outra. Um a um, os livros caíram ao chão, em posições desconcertantes, como, por exemplo, Rimbaud em cima da “Madame Bovary” ou, mais esquisito, Oscar Wilde sobre “As Flores do Mal”. O Zequinha, sem se aperceber das subtilezas que dominaram as vidas dos autores e os enredos destas obras, gostou, em contrapartida, da sua própria traquinice — feita por um adulto, culto e letrado, talvez alguém lhe chamasse ‘instalação’ — e decidiu passar a outra prateleira da estante. Um a um, os livros foram caindo, alguns abrindo-se e deixando esvoaçar algumas páginas, outros tombando que nem tijolos, inteiros e dignos. Neste caso estava “O Drama de Jean Barois”, do grande Martin du Gard, que de forma educada se aninhou ao lado de um Teilhard de Chardin com o título “O Meio Divino”, totalmente em contraste com “O Primo Basílio”, que quase esmagou o “Orgulho e Preconceito”, de Jane Austen. Zequinha passou à terceira prateleira, onde já tinha dificuldade em chegar, mas ainda conseguiu descoser a lombada (sim, eram cosidas) da “Morgadinha dos Canaviais” e fazer com que o “Manual de Pintura e Caligrafia”, de Saramago, se alojasse entre o “Mau Tempo no Canal”, de Nemésio, e o “Andam Faunos pelos Bosques”, de Aquilino, pilha encimada por “Iracema”, de José de Alencar, figura, aliás, cimeira da literatura brasileira. Quando o Zequinha olhava a sua obra, contente, satisfeito por os livros que ele, na ignorância da sua pequena idade, tinha por objetos misteriosos, cujo préstimo não estava definido (exatamente como boa parte dos nossos alunos da universidade), o pai entrou! “Zequinha!”, exclamou (como se constata pela pontuação) “O que é isto? Não te dissera que não mexesses nos livros?” O Zequinha desatou a chorar, com soluços altos e profundos, que às vezes pareciam travar a respiração mais do que seria permitido a um garoto. Acorreu a mãe e inteirou-se do que se passara. Afagou o Zequinha e acalmou-o. Depois levou-o ao seu quarto e pô-lo a brincar com a bonecada que por lá tinha. Voltou à sala, onde os livros ainda se amontoavam no chão, e perguntou ao pai, em tom severo: “Que disseste ao miúdo?” O pai explicou que nada dissera, apenas lhe recordara que não devia mexer nos livros. E a mãe replicou: “Foi falta de comunicação. É preciso saber falar; perceber que eles nem sempre percebem o que lhes dizemos.”

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.